Viana em 1517

              Em 1517 estava em construção a ponte da Ajuda, cuja função era a de estabelecer a ligação entre os concelhos de Elvas e de Olivença. Nessa data, El-Rei D. Manuel ordenava a segunda finta ou tributo destinado a financiar as obras da ponte sobre o Guadiana.

            Já antes tinha sido lançada uma primeira finta com a mesma finalidade, tendo sido o mesmo, Susarte Lobo, o recebedor que, na cidade do Porto, recolhera o contributo da gente do norte. Esta não é, aliás, a primeira ponte construída sobre o Guadiana. Por um documento da Chancelaria D. Pedro I, sabemos que já durante o reinado deste monarca estava em curso a obra de uma ponte sobre o mencionado rio[1]. Aos nossos dias, porém, chegou apenas o rol de arrecadação desta segunda finta, o qual se conserva no Arquivo Municipal de Viana do Castelo, onde tem a cota 957.

            Trata-se de um livro manuscrito, composto por 2 cadernos, cosidos entre si, com um total de 65 folhas, com as medidas 29 x 21 cm.,  com o título: «Livro da talha que se deitou nesta villa de Viana e seu termo per a ponte que El Rey Noso Senhor manda fazer na Ribeyra d’O diana».

            Para além de documentar aspectos ligados à construção daquela ponte manuelina, feita com o dinheiro e suor dos portugueses, o documento é um elemento de grande interesse para a história local, sob diversos pontos de vista:

            1.  Pela primeira vez, um documento nos fornece indicações sobre o tecido urbano de Viana, permitindo-nos fazer a reconstituição genérica da fisionomia da povoação no fim da Idade Média e no início da Época Moderna. Ficamos a conhecer os vários núcleos habitacionais, assim como a organização do principal de entre eles, o núcleo originário medieval, situado dentro das muralhas.

            2.  Além da paisagem urbana, obtemos também, pela análise deste documento, uma perspectiva interessante do panorama demográfico, económico e social da Viana quinhentista.

            Após a respectiva transcrição, procederemos a uma primeira análise do seu conteúdo[2]. Observe-se, desde já, que os números do resumo apresentado no fim do rol não coincidem rigorosamente com os que conseguimos apurar e esse facto dever-se-á a algumas imperfeições do próprio documento, onde, por exemplo, surgem nomes sem qualquer indicação em relação à taxa a pagar, não se sabendo se o arrolado é pobre, se é privilegiado ou está ausente.

 

1 .  A paisagem urbana

 

1.1.  O centro medieval         

             O concelho de Viana, em 1517, aparece-nos dividido em dois grandes blocos: a vila de Viana, sede do município, e as freguesias rurais que constituem o termo do concelho. No total habitam no município de Viana 1544 famílias, 711 na sede do concelho e 833 nas freguesias rurais. Se adoptarmos a média de 4,1 membros por família, considerada normal para a época e que corresponde à que se consegue apurar com números concretos para 1561, Viana, em 1517, tem à volta de 6330 habitantes, sendo 2915 na vila e 3415 nas freguesias do termo.                   

            A vila de Viana reparte-se em vários núcleos: a vila propriamente dita, situando-se no interior da muralha medieval, é constituída por um rectângulo, ou mesmo um quadrado, dividido em ruas e quarteirões, que correm paralelos ao rio e uns aos outros, na direcção nascente-poente. Este traçado geométrico, que só não é totalmente rigoroso porque as suas linhas se amoldavam  às curvas de nível do terreno, constitui um caso particular no nosso urbanismo medieval.

            A mais próxima do rio, como o nome indicia, é a Rua do Cais. O facto de neste se concentrarem algumas das mais importantes operações económicas da povoação, explica que seja esta uma das ruas mais povoadas, nela vivendo 68 famílias, de vários escalões sociais - e este convívio é característico de quase todas as ruas e espaços de Viana -, sendo a que no conjunto é habitada por um maior número de privilegiados (7), que inclui 3 cavaleiros e 2 privilegiados com carta de armas. Moram nesta rua os homens da governação: o juiz Martim Fernandes do Castelo, e, fruindo de privilégio na qualidade de «cidadãos», Gomes Rocha, Martim da Rocha e Gonçalo Afonso Peixoto, e gente de maiores haveres,  registando-se também a existência de 5 pobres, 7 ou 8 viúvas e 4 solteiras.

            O meio da povoação é atravessado pela Rua Grande, assim chamada por ser a que apresenta maior largura, dando continuidade à estrada que vinha de nascente, do lado de Ponte de Lima, e continuava para poente, na direcção do mar, flectindo depois para o lado de Caminha. É talvez a rua mais povoada de todas, com 72 famílias, embora o número de habitantes pudesse não ser maior do que o da Rua do Cais, porque nela vivia um maior número de viúvas (umas 24). Na Rua Grande tem a sua casa um morador que goza do privilégio de carta de armas, o bem conhecido João Álvares Fagundes, havendo aí mais um cavaleiro e um outro privilegiado na qualidade de «cidadão», isto é, por fazer parte da governação local, que é Gonçalo Pereira.

            Entre as duas situa-se a Rua Cega, mais estreita e sombria, como o nome sugere (talvez se chamasse assim por não ter saída de um dos lados), habitada por um número mais reduzido de famílias, pertencentes, de um modo geral, a um modesto escalão social. É a rua onde vive o maior conjunto de pedreiros da vila.

            A norte da Rua Grande situam-se as Ruas ditas de João Casado e do Tourinho, designações que apareceram numa data em que aí habitavam figuras conhecidas da povoação que usavam aquele nome e aqueles apelidos.        

            A Rua dita, em 1517, de João Casado chamar-se-á, em meados do século,  Rua da Judiaria, ressuscitando um nome com que decerto fora conhecida antes, mas que, devido a acontecimentos ainda vivos na memória de todos (a perseguição aos judeus, a sua conversão forçada, e o aparecimento dos cristãos novos), em 1517 se poderia considerar execrando. Também aqui não vive qualquer privilegiado por títulos de nobreza ou similares. É, em número de habitantes (34), a terceira mais povoada dentro da vila.

            De todas, a menos habitada é a Rua do Tourinho. Residem nela 31 famílias, e predominam as pessoas de condição mais humilde, com um bom número de mulheres que viverão sozinhas (viúvas e solteiras). 

            No extremo norte da povoação, situa-se a Rua do Poço. Não é das mais habitadas (42 famílias) e isso dever-se-á ao facto de inicialmente apenas se erguerem moradias de lado sul, como sugere o seu perfil amplo e, para a época, a relativa modernidade das mais antigas casas do seu lado norte. Apenas um dos moradores goza de privilégio (de vassalo).

            Não há referências a arruamentos perpendiculares aos anteriores ou a outros, no interior das muralhas de planta arredondada.

            Os espaços que se estendiam entre o rectângulo formado pelo conjunto habitacional e os muros destinavam-se a usos e a equipamentos colectivos: os Paços do Concelho, os mercados e os fornos, a feira (instituída em 1286), o Hospital e a Igreja, construída e logo ampliada na segunda metade do séc. XV[3].

             Durante a Idade Média era proibido construir junto às muralhas. Levantada essa proibição por alvarás de D. Manuel, e transferida, no início do séc. XVI, a feira e os paços do concelho para o exterior da muralha, os espaços intermédios serão ocupados e preenchidos gradualmente por volta de 1530. É, aliás, desse modo, através dos processos relativos à sua privatização, que ficamos a saber que em data anterior esses espaços não estavam cobertos por habitações: em 1531, a Câmara põe em hasta pública o espaço situado entre a porta das Atafonas (entrada do lado de Ponte de Lima ) e a torre do Cais, portanto no ângulo sudoeste da povoação, e do mesmo modo os do lado oposto, no ângulo sudoeste, onde até então se situava o «açougue do pescado», isto é, o mercado do peixe, que foi transferido para o espaço contíguo no exterior  das muralhas, onde permaneceria durante vários séculos. Também o espaço localizado entre igreja e a porta de Santiago, seria alienado, em troca do rompimento dos penedos que preenchiam essa área[4], onde presumivelmente se situaria o edifício dos Paços do Concelho. Contíguo a este ficaria já o espaço ocupado pelo forno ou pelos fornos ainda hoje indiciado pela toponímia, e logo a seguir, a norte da Rua do Poço, a área destinada ao mercado dos cereais e à feira, em geral. No espaço existente entre o prolongamento da Rua Grande para poente e o ângulo noroeste da vila, foi construído, no séc. XV, o Hospital depois chamado Hospital Velho, para o distinguir do novo Hospital da Misericórdia, construído fora dos muros, depois de 1523.

            Com o preenchimento dos espaços referidos, as ruas preexistentes prolongar-se-ão quase todas até às muralhas (a excepção é a Rua do Tourinho, que desembocava, de um lado, no Hospital Velho, e, do outro, na praça da Matriz), e, atravessando-as, em perpendicular, surgirão novos arruamentos, ainda não existentes em 1517: a rua «do Postiguo até à porta do Campo do Forno», e a «do Hospital (Velho)».

 

1.2.   Os arrabaldes

             O crescimento demográfico que levou à ocupação dos espaços vazios no interior das muralhas, uma vez perdido o carácter defensivo destas, com a revolução da balística, e transferidos para o exterior e redimensionados os espaços e serviços colectivos (Paços do Concelho, fornos, mercado, hospital), conduziu igualmente ao aparecimento e ao crescimento de outros núcleos habitacionais, fora do casco medieval.

            Esses núcleos habitacionais, designados como «arrabaldes», estão identificados, de um modo genérico, em 1517, embora ainda se não vislumbre a sua organização em arruamentos. No entanto, uma percentagem considerável da população (57,3 %) vive já no exterior: apenas 42,7 %, isto é, apenas 304 das 711 famílias vivem dentro das muralhas, enquanto 407 estão instaladas do lado de fora.

            Destaca-se, em primeiro lugar, o arrabalde do Campo do Forno, onde existe um número de famílias (272, o equivalente a 30,3 %) muito próximo das que habitam dentro da cerca medieval (304 ou 42,7 % do total)[5]. Como a designação indica, este arrabalde cresceu à volta do Campo do Forno (hoje Praça da República), a nova praça principal da povoação, localizada no exterior e imediatamente a norte da cerca medieval. É o único arrabalde onde se instalaram privilegiados com títulos de nobreza. Sabemos, aliás, por outros meios, que foi especialmente preferida pelos nobres esta área situada entre o Campo do Forno e o Convento de Santana, de fundação recente, sendo o primeiro que existiu dentro da vila. Na direcção do nascente, situa-se o arrabalde da Igreja Velha, cuja designação corresponde à que, a partir da construção da nova igreja matriz, intra-muros, ficou  a identificar a primitiva igreja paroquial, que manteve as suas características de igreja funerária, pelo que, nos séculos seguintes, viría a ser chamada de Igreja das Almas. O arrabalde situava-se entre o velho templo e as muralhas. Estendendo-se predominantemente ao longo da via que ligava a Ponte de Lima e próximo dos estaleiros que viriam a ser chamados de S. Bento, já devia incluir um esboço de arruamentos paralelos, uma vez que o número de famílias aí residentes (102) ultrapassa significativamente o das que habitam a rua Grande, que em longitude lhe andaria próxima.

            Mais afastado e com menos expressivo número de habitantes, quase perdidos no aro rural da vila, situam-se os arrabaldes da Abelheira (21 famílias, menos de 3 % do total) e da Portela (12 famílias, menos de 2 % do conjunto).

            Neste momento ainda não existia ou, pelas suas dimensões, não justificou qualquer referência o arrabalde da Ribeira, que viria a ganhar maior expressão no futuro de Viana.


2 .  A sociedade

 

2.1.  A vila

             Referimos-nos já a algumas características da sociedade local: a primeira nota é a convivência nas mesmas ruas de gente pertencente a vários escalões sociais.

            As diferenças económicas e sociais explicitamente registadas, no seguimento da carta de imposição remetida ao concelho por Martim Lopes de Azevedo, contador e provedor dos órfãos, recebedor dos hospitais, capelas e gafarias e vedor das obras das fortificações e pontes na Comarca de Entre Douro e Minho, dizem respeito à qualidade das pessoas isentas de contribuir para esta finta, que são:

            - besteiros do conto e espingardeiros, mesmo os que vivem nas terras dos Duque de Bragança;

            - cavaleiros ou escudeiros;

            - vassalos;

            - oficiais da Misericórdia;

            - pobres que vivam exclusivamente de esmolas.

            Todos os que enquadram nas três primeiras categorias devem exibir a respectiva carta.

            A cobrança é feita em relação a cada chefe de família, não estando isentos os solteiros que vivam sós em casa própria.

            Para as viúvas e as solteiras há uma redução para metade.

            Embora a carta do vedor das obras dos muros e pontes determine que não haverá outras isenções, «por previlégio que tenha, geral ou especial», a verdade é que os homens da governação de Viana, apoiando-se naturalmente em disposições legais, isentaram-se a si mesmos, na categoria de «cidadãos».

            Além dos elementos relativos a estas categorias, o rol da cobrança fornece-nos a listagem de todos os chefes de família, exaustiva e actualizada em relação a outras que já tinham sido feitas anteriormente: «manda o dito  Senhor que façaes novamente número da gente que há em cada Concelho porque depois de outros passados serem feitos creceram e minguaram muitos».

            O rol anota ainda as profissões de alguns chefes de família, de uma forma não sistemática, muito provavelmente quando o nome era útil para os identificar ou distinguir de moradores seus homónimos. Com as limitações referidas, o rol permite, no entanto, tirar algumas conclusões acerca da sociedade vianesa.

            Finalmente pode revelar-se frutuosa a análise comparativa dos apelidos (e de algumas alcunhas) e dos nomes utilizados em Viana.

            Nesta contagem não estão incluídos os religiosos e religiosas, bem como, segundo parece, os clérigos, e, por regra, os serviçais deles dependentes

            Temos estado a falar da sede do concelho, isto é, da vila de Viana. O termo rural do munícipio incluía no séc. XVI, as freguesias que actualmente constituem a metade norte do concelho, situadas entre os rios Lima e Âncora.

            A população destas freguesias, no seu total (834 famílias) corresponde a 54 % do total do concelho (1545 famílias). Os seus componentes dedicam-se de um modo geral à agricultura.

            O concelho tem actualmente 40 freguesias, das quais exactamente metade (20) se situam na margem esquerda, isto é, a sul do Rio Lima. Em 1517 o concelho era formado por 20 freguesias, todas situadas na margem direita, isto é, a norte do Rio Lima. Actualmente são ainda 20 as freguesias que ocupam essa área: embora tenha sido criada uma nova freguesia no centro urbano, a de Monserrate, não faz parte do concelho a antiga freguesia de Baltasares (Sª. Maria de Âncora), agora integrada no  concelho de Caminha.

 

2.1.1.  Os privilegiados

             Os privilegiados residentes na vila de Viana, dispensados em 1517 de contribuir para a construção da ponte sobre o Guadiana, são em número relativamente reduzido, rondando a meia centena (exactamente 54). Advirta-se que os clérigos e os religiosos, assim como os seus dependentes, não entravam na contagem.

            2.1.1.1. A maior percentagem dos privilegiados por títulos de nobreza vivia no interior da cerca medieval, em geral nas ruas mais populosas e activas, o que está relacionado com a sua ocupação em actividades a que, na tradição medieval, não se entregavam: 5 na Rua do Cais, 2 na Rua Grande e 1 na Rua do Poço. Tantos como na Rua do Cais vivem no arrabalde do Campo do Forno.

            Na rua do Cais vivem os Rochas, os Barbosas e um Velho; na Rua Grande mora João Álvares Fagundes e um dos Rochas, enquanto Rui Soares tem a sua casa na Rua do Poço; no Campo do Forno, que, na qualidade de novo centro cívico, adquiriu uma importância que ombreia com a que a nível económico cabia à Rua do Cais, habitam os Jácomes, a viúva de Pero Barbosa, um Pires Callão, cujo título de privilégio não é especificado, e, um pouco mais longe, Pero Pinto.

 Isentos

privile-

giado

privilº

cidadão

juiz

cidadão

cidadão

ofic. da Miserrª

espin

gardº

esc.  p/ frades

[Intramuros]

 

 

 

 

 

 

 

Cais

3

2

1

1

 

 

 

Cega

 

 

 

 

 

1

 

Grande

2

 

 

1

1

3

 

J. Casado

 

 

 

 

2

1

 

Tourinho

 

 

 

 

 

 

 

Poço

1

 

 

 

1

1

 

           Total 

6

2

1

2

4

6

 

A. I. Velha

 

 

 

 

1

10

1

A. C. Forno

3

 

 

2

6

8 (+1)

 

A. Abelheira

 

 

 

 

 

 

 

A. Portela

 

 

 

 

 

1

 

TOTAL

9

2

2

4

11

26

1


  2.1.1.2. Um pequeno  grupo de moradores (exactamente, oito) ostenta o título de «cidadão», como justificação para se eximir de dar a sua contribuição para a finta. Considerando que o alvará de imposição da finta era muito claro em relação ao leque dos isentos, essa situação apenas se explica se admitirmos que na Viana de ínicio do séc. XVI  já se considerava o exercício das funções municipais como um meio para obter a nobilitação. Apenas dois desses «cidadãos» possuíam carta de armas, os outros estavam no caminho de uma promoção social.

            O elenco desses «cidadãos» é constituído pelo juiz, Martim Fernandes do Castelo, que vive na Rua do Cais; os dois Rochas, da mesma Rua, que possuem carta de armas; Gonçalo Afonso Peixoto, ainda da Rua do Cais; Gonçalo Pereira, da Rua Grande; Fernão Gonçalves Bezerra, João Martins Rica (ou Riqua) e Nuno Gonçalves, este também juiz, todos do arrabalde do Campo do Forno.

            2.1.1.3. Outra categoria de isentos eram os «oficiais da Misericórdia». A Misericórdia de Viana não tinha sido ainda fundada e sê-lo-ia apenas dali a quatro anos. Apesar de tudo, no rol de 1517 aparecem onze «oficiais da misericórdia». A aparente anomalia foi recentemente esclarecida. Tinha sido fundada em Viana a Confraria dos Mareantes, cujo âmbito de acção se dirigiria primordialmente às gentes do mar, mas que, pelo menos na segunda década do séc.XVI, alargou a sua acção a todos os necessitados que não tinham quem se ocupasse deles e que, em consequência, reivindicou os mesmos privilégios concedidos às Misericórdias[6]. Em 1521, como a mesa da confraria rejeitasse a tentativa de ingerência nos seus destinos, feita em nome do poder central, pelo juiz de Fora, este ordenou a erecção da Confraria da Misericórdia, que passava a ser a única a fruir dos privilégios outorgados às suas congéneres.

            Assim se compreende que, não tendo sido ainda criada a Misericórdia de Viana, em 1517, sejam mencionados no rol os onze «oficiais da misericórdia», que o eram efectivamente da Confraria dos Mareantes. Desses onze oficiais, um vive na Rua Grande, dois na de João Casado, um na do Poço, um no arrabalde da Igreja Velha e seis no do Campo do Forno. As únicas observações que este elenco pode merecer cifram-se em duas: o apelido «do Porto» comum a três oficiais; a inclusão no seu número de Pero do Campo, o mareante que vive no arrabalde do Campo do Forno, de onde lhe vem certamente o apelido, e que, na década de trinta, com uma leva de vianeses, irá organizar, no Brasil, a capitania de Porto Seguro, sendo mais conhecido com a junção de todos os seus apelidos: Pero do Campo Tourinho.

Espingardeiros

Rua / arrabalde

Quantidade

Profissão

 

 

 

Rua Cega

1

tabelião

Rua Grande

1

sapateiro

 

1

piloto

 

1

não mencionada

Rua de João Casado

1

não mencionada

Rua do Poço

1

não mencionada

Arrabalde do Campo do Forno

1

barbeiro

 

1

sapateiro

 

1

tanoeiro

 

1

(falecido)

 

5

não mencionada

Arrabalde da Igreja Velha

1

ferreiro

 

3

pedreiros

 

1

serralheiro

 

5

não mencionada

Arrabalde da Portela

1

[agricultor]

TOTAL

26

 

              2.1.1.4. Os besteiros, cujo aparecimento em Portugal remonta ao século XII, tiveram uma grande importância nas acções militares, a qual se reflectia nos privilégios que lhes foram atribuídos. Com a invenção da pólvora, os consequentes progressos da balística e da artilharia, são gradualmente ultrapassados e substituídos pelos espingardeiros. Assim como a besta deu a D. Afonso Henriques e seus imediatos sucessores a vitória sobre os muçulmanos, também a espingarda ajudou os portugueses do século XV e XVI a imporem-se às gentes com que entraram em contacto, na sequência do processo dos descobrimentos.

 

2.1.2.  Os mais humildes

            2.1.2.1. Foram recenseados como pobres apenas aqueles que viviam exclusivamente das esmolas, isto é, nos termos da carta de imposição do tributo, «que nom tenham mais que o que pedem pelos fyndados», indicação de que era habitual nessa data, como o foi até aos nossos dias, invocar, ao pedir esmola, as almas dos que tinham falecido.

            A maior parte dos pobres (9,4 % das famílias da vila) vive no centro da povoação, intra-muros. Nesta época os miseráveis são já escravos do atavismo que os faz instalarem-se nos espaços mais envelhecidos dos núcleos urbanos, talvez por conseguirem melhor acesso à habitação, a custos módicos, ou porque já a herdaram, talvez porque aí obtinham ou pensavam obter com mais abundância e facilidade as esmolas de que viviam.

            Assim se compreende que as ruas onde se concentra maior número de pobres sejam exactamente a do Cais e a Grande, as mesmas onde fervilhava uma mais intensa actividade económica.

Os humildes

Rua / Arrabalde

mora

dores

viúvas contrib.

viúvas pobres

solteiras contrib.

solteiras pobres

outros pobres

[Intramuros]:

 

 

 

 

 

 

Cais

68

7

1

3

2

6

Cega

37

6

4

 

 

3

Grande

72

7

5

 

 

5

J. Casado

54

8

5

 

 

3

Tourinho

31

8

 

2

1

2

Poço

42

2

4

4

2

1

Total

304

38

19

9

5

20

A. I. Velha

102

16

6

7

5

1

A. C. Forno

272

22

9

3

1

15

A. Abelheira

21

1

1

 

 

1

A. Portela

12

3

 

 

 

 

TOTAL

711

80

35

19

11

37

             2.1.2.2. O luto da viuvez ensombrava as ruas de Viana. E ao rol das viúvas temos de acrescentar o número menor daquelas mulheres que, por fatalismos diversos, enfrentavam outra forma de solidão, por nunca se terem desposado: as solteiras.

            Entre solteiras e viúvas, em média, habitava uma dezena em cada uma das ruas da Viana medieval.

            A maior percentagem das viúvas concentra-se no núcleo medieval, intra-muros, a que se segue o arrabalde do Campo do Forno, e só depois o da Igreja Velha. O arrabalde da Igreja Velha, que se estendia entre as muralhas e a igreja do Salvador, devia ser, no fim do séc. XV e no início do séc. XVI, uma área de  residência  maioritária de homens do mar - marinheiros, caleiros e pescadores - cujas esposas se viam com mais frequência ameaçadas pelo espectro da viuvez. A implantação do arrabalde, entre a igreja matriz e o cemitério, no interior e à volta da posteriormente chamada Igreja das Almas, proporcionava-lhes um enquadramento mais propício à vivência da sua saudade. As viúvas constituem uma significativa percentagem da população vianesa (cerca de 20 %) na sede do município. Diz-se que essa percentagem é elevada e que a justificação de ser elevada está na vizinhança do mar, que arrebatava antes do tempo a vida a muitos homens, marinheiros do mar alto ou simples pescadores. No entanto a percentagem referida não está longe da média que, pela mesma época, se registava noutras regiões do nosso país: em Trás-os-Montes era de 14,7 %, e mais de metade dos concelhos transmontanos registava valores acima dessa média, chegando a atingir os 22,6 %; na Extremadura a média era de 22,3 % e, na comarca de Entre Tejo e Guadiana, de 19,4 %.[7]

        Não se pode afirmar, por conseguinte, que nesta época tenham sido excepcionalmente trágicas as relações dos vianeses com o mar, pois os resultados, ao nível do luto espalhado nas famílias não foram superiores aos das povoações situadas no interior do território.

 

 2.1.3.  As profissões

             Não se pode concluir esta breve análise, sem uma referência ao quadro profissional. Sob o ponto de vista da estatística, o elenco dos moradores cuja profissão é referida tem um valor muito reduzido. A profissão não era um dado que interessasse directamente ao rol e só foi mencionada esporadicamente, para completar a identificação dos personagens, distinguindo-os eventualmente de outros com o mesmo nome e apelido. Apenas 20 % dos moradores (130 entre 711) aparecem referidos com a profissão, assim distribuídos: 42 no centro medieval (5,9 % dos moradores da vila, 13,8 % dos 304 residentes intramuros), 56 no arrabalde do Campo do Forno (7,9% e 20,6 % dos aí residentes) e 36 no da Igreja Velha (5,6 % e 35 %); nos pequenos arrabaldes da Abelheira (1 pedreiro em 20 moradores) e da Portela, a maior parte dos moradores, cuja profissão não é indicada, dedicar-se-á aos trabalhos agrários.

            Entre as profissões mais vezes mencionadas contam-se os carpinteiros (16, sendo 8 no Arrabalde Campo do Forno, 6 no Arrabalde da Igreja Velha e apenas 2 intramuros). Esta profissão estaria relacionada com o crescimento urbano, que implica o da construção civil, e com a construção naval, actividades em expansão na Viana do início do séc. XVI. Outras actividades relacionadas com os mesmos sectores registam, de igual modo, um número relativamente significativo de profissionais: pedreiros (8), ferreiros (6) e serralheiros (3). Se em parte, o trabalho de carpinteiros e ferreiros estava relacionado com a construção naval e por conseguinte com o mar, isso é mais verdade a respeito dos calafates (5), dos tanoeiros (2), dos marinheiros (13), dos pilotos (6), dos pescadores (4) e dos cordoeiros (1). Ligada ao dia a dia de maior  número de munícipes, numa altura em que a locomoção era sobretudo pedestre, e apesar da certamente grande quantidade de pés descalços que calcorreavam as vielas e os caminhos, a profissão dos sapateiros é a que, nesta amostragem não intencional, ganhou maior número de praticantes (17), e, logo a seguir, a dos caleiros (15). Para vestir as pessoas no quotidiano trabalhavam os 5 alfaiates da vila, e os três barbeiros tanto comporiam os rostos dos fregueses, como, segundo o uso da época, lhes tratariam de alguns problemas de saúde, praticando sangrias, aplicando cataplasmas, etc.

            Outras profissões aparecem mencionadas com menor número de praticantes, mas com não menor interesse no meio urbano: almocreves (2), forneiros (3), mercadores (2), tabeliães (2) e pintores (1).

            Constituindo ao mesmo tempo ou não uma profissão e um estatuto social, o número de criados contabilizados como vivendo sobre si, apesar da situação de dependência em que vivem ou viveram, é de 10.

            A distribuição de todos estes profissionais pelas ruas de Viana não parece obedecer a qualquer critério ou norma, mesmo tácita. As únicas diferenças observáveis nesse aspecto são:

            1. O facto de prevalecerem dentro dos muros as profissões mais tradicionais e enraizadas localmente, designadamente os sapateiros e os alfaiates, enquanto nos arrabaldes do Campo do Forno e da Igreja Velha predominavam as profissões mais recentes, com gente mais nova, que aí encontrou espaço para exercer a sua actividade, em consequência da expansão económica e urbana; os pedreiros, insubstituíveis na construção da nova periferia urbana, vivem todos nos arrabaldes.

            2. A maior parte dos mesteres vive fora da antiga cerca medieval, distribuindo-se pelos arrabaldes da Igreja Velha e do Campo do Forno, sinal do carácter jovem e empreendedor da população neles fixada; estes arrabaldes aparecem designados globalmente, sem a distribuição por ruas com designação própria; ainda se não distingue o arrabalde da Ribeira, mas apenas se nomeia o da Portela, cuja população é diminuta;

            A carta de imposição da finta isenta dessa obrigação os besteiros de conto e os espingardeiros. Em 1517 não há besteiros em Viana, mas, em contrapartida, são referenciados 26 espingardeiros.[8] É mencionada a profissão de uma reduzida percentagem destes espingardeiros, em número bastante para concluir que não havia discriminações sociais no seu arrolamento, pois não se diferencia entre tabeliães, pilotos, sapateiros, barbeiros, tanoeiros, ferreiros e pedreiros.

            Na sua maior parte, os espingardeiros vivem nos arrabaldes da Igreja Velha e do Campo do Forno. Correspondendo estes espaços a duas áreas de expansão recente da vila, o facto de ser proveniente deles a maior parte dos espingardeiros está relacionado com o facto de integrarem a faixa mais jovem da população adulta.

            3. Os profissionais directa ou indirectamente ligados ao mar, na sua maioria vivem também nos dois arrabaldes: pilotos, marinheiros, calafates, pescadores, carpinteiros, ferreiros, e até um cordoeiro.

Profissões

Profissão

Intra- muros

C. Forno

A. I. Velha

Abelheira

Portela

Total

alfaiate

3

1

1

 

 

5

almocreve

 

2

 

 

 

2

barbeiro

1

2

 

 

 

3

calafate

 

4

1

 

 

5

caleiro

7

2

6

 

 

15

carpinteiro

2

8

6

 

 

16

cesteira

1

 

 

 

 

1

cordoeiro

 

1

 

 

 

1

criado

5

3

 

 

 

8

estalajadeiro

 

1

 

 

 

1

ferreiro

 

1

5

 

 

6

forneiro

3

 

 

 

 

3

leiteira

1

 

 

 

 

1

marinheiro

5

6

2

 

 

13

melgaceiro

1

 

 

 

 

1

mercador

2

 

 

 

 

2

ourives

1

 

 

 

 

1

pedreiro

 

2

5

1

 

8

pescador

1

2

1

 

 

4

piloto

1

5

 

 

 

6

pintor

1

 

 

 

 

1

porteiro

1

1

 

 

 

2

regateira

 

1

 

 

 

1

retelhador

1

 

 

 

 

1

sapateiro

6

8

2

 

 

16

serralheiro

 

 

3

 

 

3

surrador

 

 

1

 

 

1

tabelião

 

1

1

 

 

2

tecelão

 

 

1

 

 

1

tomenteira

 

1

 

 

 

1

tanoeiro

 

1

1

 

 

2

tosador

 

1

 

 

 

1

TOTAL

42

56

36

1

 

135

 

            4. No conjunto das profissões indicadas, as que estão directamente relacionadas com o mar correspondem a 20,7 %, sendo 14 % constituído pelos pilotos e marinheiros, 2,1 % pelos pescadores e 3,7 % pelos calafates; como profissões vizinhas destas podem ainda referir-se os 15 caleiros já mencionados.

  

2.2.  O termo rural

             2.2.1.  Tal como sucedia em cada uma das ruas da vila, a cobrança da finta esteve, em cada freguesia do termo rural, a cargo de um ou mais jurados. Não é correcto afirmar que, nessa altura, as freguesias tivessem à sua frente um governo autárquico ou que se lhe assemelhasse, quer fosse o equivalente a um regedor quer a uma junta de freguesia. O jurado era um cidadão que se encarregava de uma tarefa pontual, neste caso de uma cobrança, depois de ter jurado executá-la com fidelidade, daí a designação que se aplica. Nem em todas as freguesias se identifica o jurado, mas em algumas, onde há maior número de habitantes, mencionam-se vários: Afife (2), Meadela (3), Santa Marta (2), Carreço (3).

            2.2.2.  No termo rural de Viana habita apenas um personagem nobre, que, mesmo assim, não se esquivou de contribuir para a construção da ponte sobre o Guadiana: é Fernão Carmena, escudeiro, da freguesia de Baltasares.

            Não se menciomam espingardeiros nem oficiais da Misericórdia nem outros isentos total ou parcialmente, a qualquer título, com excepção dos pobres, das viúvas e das solteiras.

            A percentagem dos pobres recenseados no perímetro rural (3,5 %) é inferior à dos recenseados na vila (11,7 %), fenómeno que encontra paralelismo nos tempos modernos, em quase todo o mundo, e tem diversas explicações: por um lado, é a atracção exercida sobre os indigentes pelo mundo urbano, onde à partida se crê mais fácil a obtenção de recursos, por aí se concentrar maior volume de riqueza móvel; por outro lado, no espaço rural era mais fácil ter acesso a um palmo de terra, de onde tirar sustento, pelo que inteiramente pobres apenas se considerariam aqueles que, por adiantada velhice, carência de família ou incapacidade quer física quer mental, eram inaptos para os trabalhos agrícolas.

            2.2.3.  A maioria dos pobres recenseados no mundo rural são as mulheres que arrostam com o peso da solidão e, quase sempre, o da avançada idade: as viúvas e as solteiras. O número de viúvas (95, sendo 19 classificadas como pobres), corresponde a uma percentagem de 11,4 %, bastante abaixo da média geral e, no caso de Viana, da média urbana (20 %). Os índices mais altos de viuvez encontram-se nas freguesias do litoral (Afife, Carreço, Vinha), o que, apesar de tudo, recorda o papel do mar no luto de muitas mulheres. O número de solteiras (7, sendo 4 pobres), corresponde a uma percentagem insignificante (0,8 %), que ainda o é mais se a confrontarmos com os números registados na vila (30 solteiras, o equivalente a 4,2 % dos chefes de família).

            2.2.4.  A profissão exercida pelos habitantes do termo rural de Viana, em 1517, é a da agricultura, sendo excepção a existência de um ferreiro e de um mercador, em Lanheses, e, em S. Salvador, de um barqueiro e de um carvoeiro, aliás pobre. Menciona-se um vaqueiro em Outeiro. Um morador de Perre é identificado como criado dos frades, mas também ele se ocuparia nas fainas agrícolas.

A sociedade rural

Freguesia

chefes de família

viúvas contr.

viúvas pobres

solteiras contr.

solteiras pobres

outros pobres

profissões referidas

Afife

76

8

6

 

 

1

 

Amonde

22

2

2

 

 

 

 

Baltasares

52

4

1

 

 

1

 

Cardielos

28

1

 

 

 

1

 

Carreço

102

7

1

1

1

 

 

Lanheses

80

13

 

 

 

 

1 mercador

        »

 

 

 

 

 

 

1 ferreiro

Meadela

33

5

1

 

 

1

 

Meixedo

35

 

 

 

 

 

 

Montaria

25

2

1

 

 

 

 

Nogueira

21

 

1

 

1

 

 

Outeiro

49

5

 

 

 

 

1 vaqueiro

Perre

55

3

2

1

 

 

 

S. Cláudio

6

 

 

 

 

 

 

S. Salvador

11

1

 

 

 

2

1 barqueiro

        »

 

 

 

 

 

 

1 carvoeiro

Santa Marta

62

8

2

 

2

 

 

Serreleis

36

3

1

 

 

 

 

Soutelo

21

2

 

 

 

 

 1 criado

Vila Mou

25

1

 

 

1

 

 

V. Murteda

14

2

 

 

 

 

 

Vinha

81

9

1

 

 

 

 

TOTAL

834

76

19

3

4

6

6

3.   Onomástica

             A inexistência, para épocas anteriores, de informação idêntica à que nos fornece o rol de 1517, impede a elaboração de uma análise totalmente apodítica da onomástica vianesa nos alvores de quinhentos e impossibilita a extracção de conclusões definitivas acerca das estruturas mentais que lhe estão subjacentes. Mais fácil e conclusivo se revela o estudo dos períodos seguintes, que encontram o primeiro ponto de referência nesta listagem, como veremos noutra oportunidade.

            As pessoas constantes do rol de 1517, além da rua ou da freguesia onde vivem, são identificadas, quase todas, com um nome e com um apelido ou equivalente. Excepcionalmente, oito dezenas de arrolados, na vila, e mais de duas dezenas, no termo rural, são referidos sem a menção do nome. Um apelido, uma alcunha ou seu equivalente, quase todos, na vila, o possuem; o mesmo, porém, não acontece nas aldeias, onde é grande a percentagem daqueles que não tem apelido e muito maior a daqueles para quem este é constituído por uma referência, quase sempre, de índole toponímica.

            O hábito mais generalizado é o de usar apenas um nome e um apelido. Por regra, o apelido é um patronímico, formado a partir do nome do progenitor com o sufixo «iz», «ez» (não acentuado), ou «es» (do latim: ici > iz >ez > es). A comparação entre o número de ocorrências de um determinado apelido e do nome que lhe serviu de radical, dá-nos a primeira indicação sobre a maior ou menor voga desse mesmo nome neste período e no período anterior, embora não se possam reduzir  as conclusões a rigorosas fórmulas matemáticas, especialmente por causa do número das pessoas que não aparecem designadas com um apelido, mas sim com uma alcunha ou equivalente, e também por causa dos movimentos de população, significativos nesta época.

 

3.1.  Nomes próprios

             O mais popular de todos os nomes, tanto no meio urbano como no termo rural é o de João, e o facto de aparecer com mais frequência do que o correlativo apelido (Eanes e Anes) deve-se a ter crescido, nas gerações mais recentes, o número dos que o adoptaram: estaremos até no momento em que este nome gozou de maior popularidade em toda a história da onomástica vianesa. Foi o nome de dois dos mais conhecidos reis de Portugal no século XV.

            Seguem-se-lhe os nomes de Gonçalo e Pero (Pedro), cuja popularidade também parece ter crescido, como o atesta a prevalência do número de vezes em que ocorre sobre o dos correspondentes apelidos: Gonçalves e Peres ou Pires.

            Os nomes de Afonso e Martim, ou Martinho, cuja utilização se mantém estável no meio urbano - o número de ocorrências anda muito próximo das dos apelidos correspondentes: Afonso (sem desinência) e Martins ou Martins ou Miz, por abreviatura –, acabam de registar um aumento de popularidade no mundo rural.

            Os nomes de Álvaro, Fernão (Fernando), Diego (Diogo), Lourenço e Estevão encontram-se numa fase de nítida decadência, pois, em qualquer dos casos, são mais numerosas as pessoas que usam o apelido equivalente: Álvares (Alves), Fernandes, Dias e Esteves.

            A queda de popularidade acentua-se em relação ao nome Rodrigo (e Rui), pouco difundido nas freguesias do termo rural (13 indivíduos), onde atingem o dobro as pessoas ainda designadas com o correlativo apelido (Rodrigues), deixou também de atrair os habitantes do centro urbano, onde apenas se encontram dez indivíduos com o nome de Rodrigo e cinco com o de Rui, para trinta e oito que mantêm o apelido.

            Vasco é, também, um nome em franco declíneo, mais acentuado no meio urbano que no rural, pois conta, apenas, três e sete ocorrências, embora o apelido dele derivado ainda designe treze indivíduos, no primeiro caso, e dez, no segundo.

Nomes e apelidos mais frequentes

 Nomes

Apelidos

 

vila

t.  rural

vila

t.  rural

 

João

144

229

102

58

Anes / Eanes

Gonçalo

59

95

52

31

Gonçalves

Pero

50

56

30

23

Peres / Pires

Afonso

44

87

533

58

Afonso

Martim

34

58

34

32

Martins

Álvaro

30

79

42

49

Alvares (Alves)

Fernão

28

12

49

21

Fernandes

Diego

19

11

29

11

Dias

Rodrigo/Rui

15

133

39

15

Rodrigues

António

9

3

 

1

 

Bertolomeu

7

7

 

 

 

Domingos

5

6

2

1

Domingues

Estêvão

5

12

10

25

Esteves

Brás

5

 

 

 

 

Francisco

4

3

 

 

 

Gaspar

4

 

 

 

 

Vicente

3

1

4

 

Vicente

Lourenço

4

10

7

19

Lourenço

Duarte

4

 

 

 

 

Gomes

4

 

6

 

Gomes

Vasco

3

7

13

10

Vaz

Bastião

3

3

 

 

 

Gil

3

5

6

28

 

Luís

3

 

6

 

 

Geraldo

2

 

 

 

 

Nicolau

2

 

 

 

 

Gregório

2

 

 

 

 

Lançarote

2

 

 

 

 

Bieito

(Bento 1)

12

 

7

Bieites

Lopo

1

2

8

 

Lopes

André

1

2

1

 

 

Sandomingos

1

4

 

 

 

 

 

 

6

7

Velho

 

 

 

 

11

Franco

 

 

1

3

8

Garcia

 

 

 

1

7

Leal

 

 

 

8

1

Rocha

 

 

 

6

 

Rego

            O nome Lopo aparece oito vezes no meio rural, e uma no centro urbano, onde sobrevive o apelido dele derivado, Lopes, enquanto Brás é exclusivo da vila. Bieito, a não ser como referência, e Bieites não se encontram nela mas repetem-se nas freguesias do termo. Vicente é usado como nome e apelido no meio urbano e só como nome no espaço rural.

            Gil e Luís servem de primeiro nome, com popularidade em decréscimo, e Gil, de apelido ou sobrenome, mas apenas no meio urbano.

            Alguns nomes, de uso restrito, não encontram correspondência em qualquer apelido: António, Bartolomeu, Bastião, Brás, Francisco, Duarte e Gaspar.

            De entre os nomes masculinos, registam uma só ocorrência, na vila, os de Aires, Amado, Bernardo, Cristóvão, Dinis, Jácome, Jorge, Manuel, Marcos, Nuno, Sancho, Sanjoão, Simão e Valentim; nas freguesias do termo rural, os de Paio, Sanjoão, Marcos e Vivaldro.

 

3.2.  Nomes femininos

             Poucos são os nomes femininos constantes do rol de 1517 e referem-se apenas às viúvas e solteiras. Uma vez que não é possível estabelecer comparações que levem a tirar ilações sobre a evolução da popularidade destes nomes, ficamo-nos apenas pela observação global das respectivas ocorrências.

 

Nomes femininos

Nome

Vila

t. rural

Maria

30

24

Inês

14

7

Catarina

13

18

Ana

8

 

Beatriz

8

5

Isabel

7

 

Margarida

5

11

Branca

4

2

Aldonça

2

2

Cecília

2

 

Joana

2

 

Mécia

2

3

Teresa

2

1

Clara

2

1

Amada

1

 

Filipa

1

 

Graça

1

 

Justa

1

 

Leonor

1

3

Lourença

1

 

Urraca

1

 

Hilária

1

 

Constança

 

3

Senhorinha

 

1

            Maria é de longe o mais popular dos nomes femininos, seguindo-se-lhe os de Catarina, Beatriz e Margarida.

            Inês, o segundo mais frequente no meio urbano, pouca adesão despertou ainda nas freguesias rurais; Ana e Isabel apenas se encontram na vila, o mesmo acontecendo, embora em número não significativo, com os de Cecília e Joana, com duas ocorrências; com uma só ocorrência, temos na sede do município os nomes de Clara, Filipa, Graça, Justa, Lourença, Urraca e Hilária.

            No meio rural ao nome de Maria e aos que se lhe seguem, por ordem decrescente, Catarina e Margarida, juntam-se, um pouco à distância, entre os mais populares, o de Beatriz; depois o de Constança, que não se encontra na vila,  os de Mécia e Leonor, e, mais à distância, os de Aldonça e Branca.

 

3.3.  Apelidos

             Formando-se os apelidos, nesta época, predominantemente, como observámos, a partir dos antropónimos, a sua evolução regista um curso paralelo, com um retardamento correspondente à passagem de uma ou de duas gerações para que o nome dê origem ao apelido. Sem rigores matemáticos, no seu conjunto, os apelidos mais frequentes correspondem aos nomes que maior atracção exerceram sobre as gerações anteriores.

            Este processo de formação dos apelidos invalida a utilização da onomástica para os estudos genealógicos. Há, no entanto, apelidos que, constituindo exepção, nesta época, são já hereditários. Os mais flagrantes exemplos encontram-se, em 1517, no meio urbano, e deles são protagonistas os Rocha, os Rego e os Velho, embora, neste caso, se trate, por vezes, não de um apelido hereditário mas de um adjectivo destinado a distinguir homónimos de gerações sucessivas. De entre os apelidos de famílias conhecidas, com posterior enraizamento na povoação, contam-se também, com menor difusão, os Amorim, Barros, Coelho e Pereira (todos com três ocorrências), e, com menos ainda, os Barbosa, Casado (Quesado), Costa, Cunha, Ferreira, Prestes, Rolom, Sousa, Soares e Vieira.

            Não faltam os vianeses que, em vez do apelido, usam ou são designados por uma alcunha, e todos sabemos que em Viana, e em todo o país, muitas alcunhas se transformaram em apelidos de família. Em muitos casos, o apelido, que poderemos classificar como antropotoponímico, designa a terra de origem do seu portador ou, mais raramente, a dos seus antepassados.

            Na vila de Viana, em 1517, encontramos apelidos com ambas estas origens: alcunhas ou epítetos como Coelho, já citado, Farinha, Bom, Peixoto, Relha Barba, Ciúza, Farta, Perna de Gaivota, Graciosa, Grande, Infante, Leixado, Micha, Sarrinho, etc.; ou antropotoponímicos como: da Portela, do Porto, d’Anha, da Costa, da Cunha, das Eiras, de Biscainha, de Braga, de Caminha, do Campo, de Calvos, de Ceita (Ceuta), de Coimbra, de Darque, do Meio, de Fão, de Araújo, de Cameos, de Fonseca, de Freita, da Maia, de Prado, de Vigo, de Ramalde e até de Viana, ou adjectivados, como Bretom, Galego, Francês.

            No mundo rural é menor a percentagem de apelidos formados a partir do nome paterno, mas, fora isso, e salvo algumas exepções, tal como sucede com os nomes, os apelidos mais adoptados correspondem aos que também eram usados com maior frequência no centro urbano. As principais diferenças, a que já fizemos alusão, têm a ver com a persistência de um ou outro nome que mais cedo deixou de estar em uso no meio urbano, ou que neste foi introduzido e ainda não chegou ao campo.

            Pelas freguesias do termo espalham-se apelidos que tiveram origem em alcunhas, como Abade, Trigo, Tourinho (este já com incursão na vila), Cochordo, Conde, Baixo, Gago, Garrido, Maio, etc., mas é grande sobretudo a percentagem dos apelidos formados a partir dos mais variados topónimos, que, em alguns casos, se referem a uma outra freguesia ou mesmo a localidades exteriores ao concelho, mas, na maior parte das ocorrências, mencionam o lugar onde vive ou viveu o arrolado ou a sua família.

            Para terminar, observe-se que a cerca de noventa moradores do centro urbano e de trinta do meio rural é acrescentado um terceiro apelido, e que nesse conjunto são raros, no primeiro caso, e inexistentes, no segundo, os patronímicos, formados a partir do nome dos antepassados, predominando as alcunhas e os tropoantropónimos.

 

MAPA  GERAL

dos contribuintes vianeses

elaborado a partir do resumo final apresentado na

Finta para a ponte sobre o Guadiana

 

 HOMENS (CHEFES DE FAMÍLIA)



 

 

 

 

Total

 

 

1278

 

 

 

 

 

 

Isentos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pobres

32

 

 

 

Honrados

16

 

 

 

Oficiais da Misericórdia

11

 

 

 

Espingardeiros

26

 

 

 

Escuso pelos frades

 1

 

 

 

soma     

 

86

 

 

 

 

 

 

Contribuintes

 

 

1192

 

 

Taxa

 

x 25

 rs.

 

Resultado

 

29800

 rs.











 MULHERES (VIÚVAS  E SOLTEIRAS)


Total

 

 

250

 

 

 

 

 

 

Isentas

 

 

 

 

 

Pobres

69

 

 

 

Privilegiadas (viúvas)

3

 

 

 

soma

 

72

 

 

 

 

 

 

Contribuintes

 

 

178

 

 

Taxa

 

x 12,5

 rs.

 

Resultado

 

2225

 rs.

 

SOMA

 

 

32025

 rs.

(abatimentos)

 

 

-50

 rs.

RESULTADO FINAL

 

 

31975

 rs.

Transcriçao: Finta para a
ponte sobre o Guadiana