A verdadeira história
Na antiguidade,
a categoria de cidade
tinha uma expressão
institucional e cultural que abrangia uma vasta
comunidade, não se
confinando aos muros do aglomerado
central. Seria inconcebível a existência
de uma cidade que não
possuísse uma ampla autonomia,
do género daquela a que hoje
chamamos municipal, e que não
exercesse, ao mesmo tempo,
uma certa polarização sobre
o território circundante.
Próximos
desta forma de pensar estavam alguns
moradores de Viana, que, há mais
de um século e meio,
encetaram o processo que levou a que
à povoação fosse conferido o título
de cidade. Para evitar
um aproveitamento sectário
da história, importa que,
de uma vez por todas,
se diga toda e só a verdade
acerca desse processo.
O estatuto
administrativo da povoação
tinha-se alterado na primeira metade
do século XIX. Com efeito,
em consequência da nova
organização administrativa
implementada no âmbito das reformas liberais,
Viana tinha sido promovida a capital
de distrito, o que lhe
dava uma importância política
que ultrapassava o termo
do concelho e se estendia ao território situado entre
o Minho e o Neiva, correspondente ao que
se designa como Alto
Minho.
Das
dezassete povoações que,
entre 1836 e 1842, foram arvoradas em
sedes distritais, apenas
três - Santarém, Vila
Real e Viana - não
eram ainda cidades.
Setúbal desmembrar-se-ia de Lisboa apenas em
1926, elevando-se para dezoito o número
dos distritos. Enquanto
Santarém recuperaria, em 1868, a categoria
de cidade, de que talvez
já tivesse gozado em tempos
antigos, Vila Real
continuava mergulhada num apagamento de que só
emergiria no século XX, com
a elevação a cidade, em
1925.
Encorajada
pelo novo estatuto
político da povoação,
como capital do distrito,
detentora de um passado
brilhante, desde quando
as suas caravelas e naus
sulcavam os mares, e sentindo que
as brisas das prosperidade, ainda
que moderadamente, a continuavam a bafejar,
Viana sonhava com a elevação
à categoria de cidade
Na sessão
de 23 de Agosto de 1845, os vereadores
«Acordaram que se representasse a sua
Majestade Rainha
pedindo-lhe a graça de elevar
esta vila à categoria
de cidade»[1].
Em
consequência desta deliberação, foi remetida à Rainha,
em 27 de Setembro de
1845, uma exposição a rogar tal
mercê: «os habitantes
de Viana, Senhora, desejam que o título
de vila se mude no de cidade».
Como
é de hábito, na petição,
aduzem-se em primeiro lugar
os considerandos de ordem política,
aptos a captar a simpatia
da soberana para com
os suplicantes, neste caso,
o facto de Viana ter sido das primeiras terras
que após a invasão
francesa proclamou os direitos da coroa
real portuguesa; o facto de, em
1834, o seu Regimento
de Milícias ter sido o único
que na sua totalidade
aclamou a Rainha, indo com
as tropas fieis tomar
a praça de Valença; o facto de os cidadãos
de Viana se terem manifestado a favor da carta
constitucional no movimento
de 27 de Janeiro.
Apresentam-se
em seguida as razões
que fundamentam a pretensão,
tornando-a merecedora de uma decisão favorável.
Essas razões são de ordem
geográfica, urbanística, económica e fiscal:
a localização, a extensão
da povoação, o porto de mar,
o castelo, os belos edifícios
públicos e privados,
a importância comercial,
os rendimentos dos habitantes
e o volume dos impostos
que pagam ao Estado.
Recebida
a petição, o governo central
solicitou a informação do Governador
Civil de Viana, que
se não podia mostrar mais
favorável: todos os factos e razões
de que a Câmara Municipal diz estar
ornada a vila de Viana «são
títulos tão honoríficos
quanto verdadeiros», e por
isso «Sua Majestade
fará mais um acto de justiça,
deferindo benignamente a súplica
junta».
O Conselheiro
Procurador Geral da Coroa, a quem
competia dar o último parecer,
em resposta ao ofício
da Secretaria de Estado
dos Negócios do Reino,
em 7 de Novembro de
1845, informava que não
tinha qualquer dúvida
a esse respeito, pelo
que lhe parecia que
a pretensão manifestada pela Câmara
Municipal de Viana era «digna
de benigno deferimento».
A Secretaria Geral
dos Negócios do Reino
anotava esta informação em
15 de Novembro do mesmo
ano.
Perante
a ausência de resposta,
ao que supomos, a ferver de impaciência,
a Câmara Municipal de Viana insistiu, renovando a petição
em 22 de Novembro de
1845. Também
o Governador Civil,
numa memória enviada
à Rainha, sobre vários
assuntos do distrito,
voltou a insistir, solicitando o deferimento
da petição, que
possivelmente se teria extraviado temporariamente, como
faz supor a resposta a um
pedido de informação sobre
o paradeiro do processo, datada
de 24 de Março de 1846.
.
D. Maria II (Escultura
em madeira
policromada, Museu Municipal)
Em
23 de Abril de 1846, o processo
estava preparado para ser
levado a despacho final[2], acompanhado
de uma minuta do Decreto
de elevação de Viana a cidade,
com a mesma data
e a assinatura do Conde
de Tomar, Ministro do Reino
(António Bernardo da Costa Cabral).
No entanto,
em 20 de Maio de
1846, ainda não tinha
sido referendado, como
consta de uma nota onde
se dizia «V. Ex.cia terá a bondade
de ver se quer agora
referendar este decreto»,
a que, a lápis, se
acrescentou «aguarde-se até nova
ordem».
Em
Maio de 1846, Costa
Cabral deixava o Ministério, o que
explica a interrupção do processo,
que se manteria suspenso, naturalmente
por causa do clima
de agitação geral em
que o país e sobretudo
o norte mergulhara. Ao levantamento da Maria
da Fonte seguiu-se a revolta da
Patuleia, e, nesse ambiente, era
natural que passasse para
segundo plano e que
fosse até momentaneamente esquecido um
negócio meramente burocrático,
como o de elevação de
uma vila à categoria
de cidade. Nem teria sentido
que uma tal mercê
fosse concedida numa data
e a uma terra, onde, naquele momento,
tal como noutras, se
desconhecia o evoluir da solicitação, faltando mesmo
a garantia de que o
acto seria acolhido com a conveniente
dignidade pelos destinatários.
Dominada
a revolta da Patuleia, com
a intervenção das forças
espanholas e inglesas, e firmada, em Junho
de 1847, nos arredores
do Porto, a convenção de Gramido,
reuniam-se as condições necessárias para
que o processo fosse retomado, como
de facto veio a acontecer.
Em
3 de Julho de 1847, para substituir
a Câmara que estava em
funções, tomou posse
a Comissão Municipal nomeada pelo
Governador Civil e
presidida por Manuel da Costa
Bandeira, nome que
faz pensar no seu parentesco
com o poderoso Ministro
da Fazenda.
Em
Lisboa, os órgãos do Governo
regressavam ao seu funcionamento
de rotina. Tal como
as preocupações com a
melhoria da barra - isso,
porém, é outra história
- o processo da elevação de Viana
à categoria de cidade
voltou à ordem do dia.
Por
“decreto” de 20 de Janeiro
de 1848, a criação da nova
cidade obtinha definitivamente
o despacho favorável. «Achando-se
deferida (...) a Representação que
a Câmara Municipal de Vianna do Minho dirigio à Presença
de Sua Majestade a Rainha
pedindo que aquella villa fosse elevada
à cathegoria de cidade», refere a nota
que em 21 de Janeiro
ordena ao Governador Civil
que dê o facto a saber
à Câmara Municipal «para que
esta solicite da referida Senhora, por
seu bastante Procurador,
a expedição do necessário Diploma,
o qual lhe será entregue
com prévio pagamento
dos respectivos Direitos
de Mercê e das despesas
legais».
O Governador
Civil desempenhou-se imediatamente
destas funções, assinando, em
27 de Janeiro, o ofício
endereçado à Câmara a comunicar a feliz
notícia, e apressou-se a dar conta
de ter cumprido a tarefa, numa carta
endereçada ao Ministro Secretário
dos Negócios do Reino,
em 28 de Janeiro. Missiva
idêntica à que enviou
à Câmara remeteu ao administrador
do concelho, que, mais
uma vez, a 4 de Fevereiro,
retransmitiria a notícia à Câmara.
O ofício
do Governador foi lido na sessão
da Câmara de 29 de Janeiro. «A Câmara
recebeo esta Graça, que
S. M. foi servida conceder, manifestando os seus
sentimentos de reconhecimento
à Real Munificência»,
registou o livro das Actas.
Considerando
que ainda se não
tinha patenteado de maneira
suficiente o regozijo
e a gratidão do moradores de Viana, o Presidente
da Câmara resolveu convocar para
o efeito uma sessão extraordinária,
que teve lugar no dia
6 de Fevereiro, na qual
propôs que, à semelhança do que
se fazia em ocasiões semelhantes,
se nomeasse uma deputação «que fosse levar
aos pés do trono a homenagem
do público reconhecimento
e gratidão dos habitantes
desta cidade». Aprovada
por unanimidade a proposta,
foram escolhidos, para representar o
concelho nesta missão, três
ilustres personagens,
que, além de estarem
ligados a Viana, residiam em Lisboa e se
movimentavam à vontade dentro
da Corte, o que simplificava o processo:
o Conde de Porto Covo
da Bandeira, Ministro
da Fazenda, o Visconde
da Carreira, aio dos infantes
reais, ambos de
Viana, e o Dr. António Correia Caldeira,
de Ponte de Lima (sobrinho
do Cardeal Saraiva), deputado
pelo Minho.
No dia
2 de Março, pelas 11 horas
da manhã, foi esta delegação
recebida pela Rainha
no Paço das Necessidades.
A notícia do acto, assim
com o texto da alocução
dos representantes de Viana, a manifestarem a gratidão
da nova cidade, e o breve
agradecimento da Rainha foram publicados no Diário do Governo, no dia imediato.
Essa notícia não
refere qual dos três
pronunciou o discurso de agradecimento, mas,
como aparece mencionado em
primeiro lugar e ocupava o cargo
mais elevado, é de crer
que foi o Conde de Porto
Covo da Bandeira que
se desempenhou dessa função. No mesmo
dia 3, os componentes
da delegação enviaram uma carta
à Câmara de Viana, fazendo-a acompanhar do texto
da sua intervenção de
agradecimento e da breve resposta
da Rainha.
Era
necessário pagar os direitos
de mercê e levantar o respectivo
diploma. A Câmara de Viana demorou a satisfazer
esse encargo, não
por qualquer contestação
oficial ou razão
subjectiva, mas simplesmente
porque não devia ter
dinheiro, pois se viu forçada
a esvaziar o cofre para
fazer adiantamentos, a título
de empréstimo, à Junta
do Porto e ao Conde do Casal,
no decorrer da Patuleia. Depois
de incluir a verba nos
orçamentos de 1848 a 1849 e de 1849 a 1850, a Câmara,
ainda em 1849, pediu
autorização ao Ministério do Reino
para fazer um encontro
de contas entre a importância
que a Fazenda Nacional
lhe devia, pelo dinheiro
levantado pelo General Conde
do Casal (746.200 reis),
e a importância de 120.000 reis
que tinha de pagar
pelos direitos de mercê,
pela elevação a cidade
e respectivo diploma. A autorização não
lhe foi concedida, com
a alegação de que se tratava de verbas
que tinham de fazer percursos diferentes
nas repartições públicas[3]. Pelo
lançamento feito num
dos livros da Despesa,
verificamos que a Câmara liquidou
essa importância no ano
económico de 1849 a 1850, ainda que
a verba não tenha
sido discriminada nas respectivas contas de gerência.
Se
chegou a ser emitido, não sabemos
onde para o diploma
da elevação de Viana à categoria
de cidade, mas isso
não será de estranhar quando
tantos outros documentos
têm desaparecido misteriosamente, incluindo o próprio foral manuelino,
que ainda se
encontrava no arquivo em
meados do século XX e depois andou perdido durante algumas décadas, até que foi recentemente recuperado.
* * *
Em
conclusão, fica bem claro,
em face desta breve
análise do processo, que
a elevação de Viana à categoria
de cidade, ao contrário
do que, por vezes,
se tem afirmado, não é uma consequência dos acontecimentos
político-militares que, em
1846 e 1847, tiveram como cenário
a fortaleza ou, em
linguagem popular, o castelo
de Santiago da Barra. É a conclusão
natural de um processo
desencadeado no ano de 1845, por
iniciativa da Câmara Municipal de
Viana. Peça fundamental
desse processo foi a petição
formulada pela Câmara, a que
se juntaram as informações favoráveis
dadas pelas entidades que
ocupavam as posições mais
indicadas para o efeito: o Governo
Civil e a Secretaria Geral
dos Negócios do Reino.
Os motivos
que justificaram a elevação
a cidade, como seria normal
em tais circunstâncias,
encontram-se mencionados na petição inicial
e foram corroborados pelas informações recolhidas:
a excelente situação geográfica,
o desenvolvimento urbano,
o progresso económico, o movimento
portuário, a importância
estratégica.
O patriotismo
e a fidelidade dos seus
habitantes não foram
as causas determinantes
da decisão, mas
contribuíram certamente para que
a pretensão manifestada pelos
representantes de Viana fosse olhada com simpatia,
e para que o processo,
na sua primeira fase,
decorresse com celeridade.
Primeira
versão do decreto de elevação
de Viana a cidade,
que
não chegou a ser outorgado
A Maria da Fonte,
de que resultou a substituição
de Costa Cabral no ministério
do Reino, e a Patuleia, com
que o país respondeu
ao golpe da Emboscada, devido
à agitação que
absorveu a atenção dos governantes
e atingiu o próprio governo, assim
como os acontecimentos
que lhe estão
ligados, tiveram apenas o efeito
de retardar a promoção da vila
da foz do Lima, que
é a conclusão natural
de um processo desencadeado no ano
de 1845, por iniciativa
da Câmara Municipal, com uma petição
dirigida à Rainha.
Passada
a agitação e, embora através
da força, apaziguados os ânimos,
o processo foi retomado, tendo a sua
feliz conclusão no dia
20 de Janeiro de 1848.
O nome
completo inesperadamente
atribuído à cidade: «Viana do Castelo» não
aparece anteriormente em
nenhuma outra peça do
processo. Na petição inicial,
a «Câmara Municipal de Viana do Minho» pede simplesmente
que à povoação seja
conferido o «Título de "Cidade
de Viana"». A minuta de 1846 designa-a como
«Viana do Minho» e propõe que fique erecta
em cidade
«denominando-se Cidade de Viana». Como
Viana do Minho a designa, em 1846, a Secretaria
de Estado dos Negócios
do Reino. A designação de Viana do Castelo
foi introduzida, no decreto de 20 de Janeiro
de 1848, sem que
saibamos quem foi o autor
da iniciativa, mas talvez
a possamos atribuir ao Conselheiro
de Estado Extraordinário
Bernardo Gorjão Henriques, que assina o documento.
Esse
nome constituiu a única
influência dos acontecimentos que,
em 1846 e sobretudo em
1847, tiveram como cenário
a fortaleza de Santiago da Barra.
A história é sobejamente
conhecida. Após a eclosão
da Patuleia, o capitão Francisco Maria Melquíades
da Cruz Sobral, que sob
o comando do sogro,
tenente-coronel João Cipriano de Barros e
Vasconcelos, participara na repressão da Maria da Fonte,
integrado na coluna do centro,
a que terá pertencido também
Jacinto Mendes de Oliveira,
o célebre Pinotes, quando,
em 1846, se formou a Junta
do Porto, foi separado do seu regimento,
com outros oficiais
que não ofereciam confiança
política. Em 29 de Dezembro,
com um tenente
e sessenta praças que
o seguiram, saiu do Porto em
direcção a Viana, onde ofereceu os seus
serviços ao Conde do Casal,
que o nomeou interinamente
Governador do Castelo de Viana.
Num meio
que lhe era
quase totalmente adverso,
acabou por ficar encurralado
no castelo, onde seria vencido pela
fome, já que
os seus correligionários
se mantinham indiferentes às mensagens
que lhes remetia a pedir
socorro e especialmente
mantimentos. Tendo a penúria
chegado ao extremo, em
6 de Maio de 1847, com
os soldados de infantaria
e artilharia, abandonou a fortaleza,
pela calada da noite,
fechando dentro dela os pobres
e esfomeados veteranos, escondendo-se num casa
abandonada e refugiando-se, no dia seguinte,
na casa do cônsul inglês,
com os oficiais que
conseguiram escapar. «Assim
terminou a defeza do Castello da Barra de Vianna, cuja
guarnição, digna de melhor
sorte, teve de abandoná-lo depois
de reduzida à fome e à miséria,
e ter soffrido com a maior
resignação privações de toda
a espécie a que foi
comdempnada», escreve o próprio Sobral, na Memória anónima que
publicou ainda nesse ano
para defender a sua
imagem e a dos seus homens,
presos no Porto como
desertores[4], enquanto
ele, acompanhado
dos seus oficiais, se
foi apresentar como herói,
em Lisboa, ao régio consorte,
Comandante em Chefe
do Exército, a quem,
num gesto quixotesco,
entregou a bandeira e a chave
da porta exterior do castelo.
Interessava
no entanto ao regime a
mistificação dos acontecimentos, como
meio de glorificar a sua
própria causa e de a impor
à opinião pública. O primeiro
afloramento deste propósito observa-se na carta
em que o Governador
Civil, Tomaz de Aquino Martins da Cruz,
comunicava à Câmara Municipal a elevação
de Viana a cidade: «Não
era de esperar que
os relevantes serviços
prestados à causa do Throno tão
pronunciadamente provadas na infeliz mas
heroica tentativa de 20 de Outubro,
e durante o assédio
memoravel do Castello de Viana, transumpto fiel da
resistencia de Coimbra no tempo de Martim de
Freitas, fossem esquecidos pela Rainha
dos Portugueses». De mau gosto
podia entender-se a comparação com Martim de
Freitas, que se terá mantido fiel
a uma causa perdida e a um rei
defunto, D. Sancho II, em
cujas mãos foi depor a Toledo as chaves
do castelo de Coimbra, para as retomar,
depois de verificar que
o monarca já estava morto,
e as ir entregar a D. Afonso III.
Para
a maior parte dos
vianeses, que tinham perfilhado a causa
da Patuleia, a referência ao castelo
poderia considerar-se uma ofensa,
mas, depois das ingerências
inglesas e da ocupação pelas tropas
espanholas, em Junho
de 1847, o melindre tornava-se insignificante,
tanto mais que
todo o norte tivera de se render,
sob a pressão das forças
estrangeiras, e aceitar a paz
de Gramido.
Esqueçamos
as horas mais tristes
do passado. Olhados com
maior distanciamento
os acontecimentos, a designação dada
à cidade, ultrapassado o momento
e as circunstâncias históricas que
estão na sua origem,
e referida a outros momentos,
reúne, apesar de tudo,
as condições necessárias para se tornar
aceite como referência
emblemática.
A fortaleza
de Santiago da Barra não
é um castelo, nem
Viana teve outro, em qualquer
momento da sua história,
nem esse nome
se aplicava tecnicamente ao circuito amuralhado e
robustecido com torres
que defendia a povoação
medieval. Mas a população
de Viana habituou-se, desde sempre,
a chamar castelo à fortaleza
de Santiago. Essa designação aparece até em
documentos oficiais, inclusivamente
no círculo mais próximo
dos eruditos e especialistas
na matéria, como
sucedeu numa carta régia
de 1589, em que se
anunciava a partida para Viana do
mestre de campo Pero
Bermudez para concluir «a fortificação
do Castello que se faz nessa villa».
Essa fortaleza
esteve ligada a alguns
momentos infelizes da
história de Viana e do país,
como a ocupação
filipina e a repressão da Patuleia, mas
foi construída para proteger a cidade
e a barra dos ataques
dos corsários e de quaisquer outros
inimigos. Nasceu para defender
o porto, os navios nele
ancorados, a vida e a fortuna
das famílias de Viana - a riqueza
dos mais poderosos e
o pão de cada dia
dos mais modestos - que,
em grande parte,
se deviam às viagens marítimas. A história
do castelo identifica-se, por conseguinte,
com a do porto de mar,
tal como a do porto
de mar se identifica com
a da cidade.
Ultrapassadas
as querelas políticas,
o nome de Viana do Castelo, aceite
como um facto consumado,
evoca, para nós, não
a repressão da Maria da Fonte e
da Patuleia, mas os tempos
mais longínquos e os
factos mais grandiosos
que fizeram a glória
de Viana e das suas gentes.
Decreto
de elevação de Viana a cidade, outorgado
em 20 de Janeiro de
1848
Apêndice documental
Os documentos
a seguir transcritos, quando não
se fizer outra referência,
foram transcritos das Pastas das Correspondências e dos Livros
das Actas das Vereações da Câmara
Municipal de Viana e, a partir de fotocópias,
do Processo do Arquivo
Nacional da Torre do Tombo
relativo à elevação
de Viana a cidade[5].
1
Sessão da Câmara de 23
de Agosto de 1845
Aos vinte e tres dias d'Agosto de mil
oitocentos quarenta e cinco, em Viana e Paço Público da Câmara presidindo o
Vereador Presidente
Francisco Manoel da Rocha Peixoto presentes os outros
assignados [...]
Accordarão que se represente a sua Magestade Rainha pedindo lhe a graça de elevar esta villa a
cathagoria de cidade; e que igualmente se lhe pedice toda a portecção em benefício da Barra desta Villa».
(Actas
das Vereações da Câmara 1845-1847, fl. 67 v.º-68)
2
CARTA
ENVIADA À RAINHA PELA
CÂMARA MUNICIPAL DE VIANA
Senhora
A Câmara Municipal de
Vianna do Minho não ousaria apresentar-se perante o Throno a pedir huma Graça importante, se lhe não servisse de escusa a Munificencia de Vossa Magestade.
Os Habitantes de
Viana, Senhora, desejão que o Titulo de Villa se mude no de Cidade.
Desde tempos antigos Antepassados
de Vossa Magestade lhe dérão o de Notavel, com assento em Cortes, gosando os Moradores das prerrogativas de Infanções.
Nos tempos modernos não tem deslusido seu lustre.
Depois da Invasão Francesa
foi huma das primeiras terras que proclamou
os Direitos do Augusto Avô de Vossa Magestade; e o impulso, que deo à Santa Causa da
Independencia, muito concorreo para seu bom exito.
Em 1834 o Regimento de suas Milicias
foi o único Corpo que completo com Estado Maior, e Bandeira, acclamou Vossa Magestade, indo com as Tropas fieis tomar a Praça de Valença, e restaurar a Provincia, merecendo ser conservado como Batalhão Nacional, e
os elogios de Vossa
Magestade, em Portaria do
Ministerio da Guerra de 14 de Abril de 1834.
No glorioso Movimento de 27 de Janeiro, com sincero, e indisivel enthusiasmo seus Cidadãos levantarão a Carta Constitucional,
e se oferecerão a tomar as armas para sustentar os Direitos de Vossa Magestade, e da proclamada a Constituição, e do Governo estabelecido.
Por sua situação, extensão, bellos Edifícios publicos, e particulares, por seu porto, Castello, e importancia comercial, e pelos Rendimentos que dá ao Estado, e riquesa de seus Habitantes não desmerece
o Titulo, que pertende.
A Camara Municipal, Senhora, fundada, primeiro na Generosa Liberalidade de Vossa
Magestade, e depois nas qualidade, que revestem a Villa de Viana, e leaes sentimentos de seus Cidadãos
Implora a Graça de lhe
ser conferido o título de
= Cidade de Viana =
Viana em Camara 27
de Setembro de 1845
Francisco
Manoel da Rocha Peixoto
Presid.e
João Loureiro Affonso
Fiscal
João Martins
Vianna
Bento Joze da Cunha
Gaspar da Rocha Paes de Barros Cação
José Alz.
Vianna
A segunda carta, enviada quase dois meses depois, difere desta apenas na data e, parcialmente, nos nomes dos subscritores:
Vianna do
Minho em Camara 22 de Novembro de 1845
Francisco Manoel da Rocha Peixoto
Manoel Antonio Amorim
Bento Joze da Cunha
João Martins Vianna
José Alz.
Vianna
3
INFORMAÇÃO
DO GOVERNO CIVIL DE
VIANA
Governo Civil
de
Viana
1.ª
Repartição
Il.mo
Ex.mo Sr.
Os serviços
prestados ao Estado; a lealdade de seus habitantes; e a sua constante adhesão ao Throno da Rainha, e à Carta Constitucional da Monarchia, sua riquesa, e importancia commercial, todas as qualidades em fim, de que a Camara Municipal julga revestida a Villa
de Vianna, quando pede a Sua Magestade Se Digne ellevala à cathegoria de cidade, sam titulos tão honorificos, quanto verdadeiros.
Sua Magestade Fará mais um acto de justiça Deferindo benignamente à supplica junta.
É quanto me cumpre levar ao conhecimento
de V. Ex.cia em execução do que foi determinado no officio desse Ministerio de 9 do corrente mez.
4
INFORMAÇÃO
DA PROCURADORIA GERAL
DO REINO
Ex.mo Snr. Ministro e Secretario
dos Negocios do Reino
Il.mo e Ex.mo Sr.
Satisfazendo ao Officio da Secretaria d’Estado dos
Negocios do Reino de 30 de Outubro ultimo, à cerca do requerimento
(que restituo com os mais papeis relativos), em que a Camara Municipal de Viana do Minho pede que a mesma Villa seja elevada à Cathegoria de Cidade, cumpre-me responder que bem longe de se me offerecer duvida a este respeito, pelas acertadas considerações que expende o
Governador Civil do mesmo Districto no Officio adjunto, adopto a sua opinião, parecendo-me digna de benigno deferimento a indicada pertenção.
Deus Guarde V. Ex.ª Lisboa 7 de Novembro de
1845
O Cons.ro Proc.or Geral da
Corôa
José Manuel
d’ A. e A. C. de Lacerda
5
NOTA
AVULSA
Secretaria G.al 2.ª Rep. Am L. 3 N.º 628 em 15 de Nov. de 1845
Pedio a Camara de Vianna do Minho ser a Villa elevada à cathegoria de Cidade.
Responde o Procurador da Coroa, em comcordancia com o Governador Civil, que a acha digna de benigno deferimento
(À margem,
na vertical:)
P.D. em 23 de Abril de 1846
6
DECRETO
QUE NÃO CHEGOU A SER
PROMULGADO
Attendendo a que a Villa de Viana do Minho possue os elementos e recursos
necessarios para bem sustentar a cathegoria de Cidade, derivados da sua extensa e vantajosa posição topographica, da sua riquesa e importancia commercial, e da qualidade dos edificios de que é composta e tomando igualmente em consideração os serviços em differentes epochas[6]
prestados ao Estado pelos seus habitantes, e os sentimentos de lealdade e constante adhesão, que consagram[7]
ao Throno e à Carta Cnstitucional da Monarchia e Conformando-se
com a informação do
Gopvernador Civil do Districto de Vianna, e com o parecer do Conselheiro Procurador Geral da
Crôa, Hei por bem e Me praz, Deferindo à supplica da Camara Municipal respectiva que a
referida Villa de Vianna do Minho fique erecta em Cidade, denominando-se Cidade de Vianna, e que como tal gose de
todas as prerogativas que direitamente lhe pertencerem. E Mando que pela Secretaria d’ Estado dos
Negocios do Reino se passe Carta à Camara Municipal daquele Concelho em dois diferentes exemplares, um delles para seu Titulo e outro para se remetter ao
Real Archivo da Torre do Tombo. O Conselheiro d’ Estado Ministro Secretario d’Estado dos Negocios do Reino assim tenha entendido e faça executar. Palacio
de Belem em vinte e tres d’Abril de mil
oitocentos quarenta e seis.
Rainha
Conde de Thomar
6
NOTA
AVULSA
Il.mo e Ex.mo Sr.
V. Ex.ª terá a bondade de se quer agora referendar este Decreto
20 - Maio 1846
(Acrescentado
a lápis na parte superior:)
Aguarde-se até nova ordem
7
DECRETO
DE D. MARIA II
Atendendo a que a Villa de Vianna do Minho possue os elementos e recursos
necessarios para bem sustentar a cathegoria de cidade, derivados da sua extensão e vantajosa posição topographica, da sua riqueza e importância comercial, e da qualidade dos edifícios de que é composta; e tomando igualmente em consideração os importantes serviços prestados ao Estado pelos seus habitantes, e os sentimentos de lealdade e constante adesão ao Trono e à Carta Constitucional da Monarchia, que eles em diferentes épocas têm
manifestado por actos de acrisolada devoção cívica e heróicos feitos de valor. Por estes respeitos, e
Deferindo à supplica da Câmara Municipal da mencionada Villa, em vista da informação do
Governo Civil de
Vianna, e da resposta fiscal do Procurador Geral da
Corôa, com a qual Me conformo: Hei por bem e Me Praz, que a Villa de Vianna do Minho fique erecta em cidade, com a denominação de Cidade de
Vianna do Castello, e que n’esta qualidade goze de todas as prerogativas que direitamente lhe
pertencerem. E Mando que pela Secretaria d’Estado dos Negócios do Reino se passe Carta à Câmara Municipal daquele Concelho em dois differentes exemplares, um d’eles para seu Titulo e outro para se remeter ao Real Archivo da Torre do Tombo.
O Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino assim o tenha entendido e faça executar.
Paço das Necessidades, em vinte de Janeiro de mil
oitocentos e quarenta e oito.
Rainha
Bernardo
Gorjão Henriques
8
CARTA DO CONSELHEIRO DE
ESTADO EXTRAORDINÁRIO
AO GOVERNADOR CIVIL
(MINUTA)
Achando-se deferida, por Decreto de 20 do corrente mez, a Representação que a Camara
Municipal de Vianna do Minho dirigio à Presença de S. Mag.
< a Rainha >, pedindo que aquella Villa fosse elevada à
cathegoria de Cidade: Manda a Mesma Augusta Senhora, pela Secretaria d’Estado dos Negocios do Reino, que o Gov.or
C. do Distrito de Vianna assim o faça constar à sobred.ª
Camara, para que esta
sollicite da referida Secret.ª, por seu bastante Procurador, a
expedição do necessario Diploma, o qual lhe será entregue com previo
pagam.º dos respectivos direitos de Mercê e mais despesas legaes. Paço das N.es em 21 de Janeiro de 1848.
B. Gorjão
Henriques
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CARTA DO GOVERNADOR CIVIL
À CÂMARA MUNICIPAL DE VIANA
Ex.mo Snr. Presidente da
Camara Municipal de Vianna
Il.mo
e Ex.mo Sr.
Achando-se deferida, por Decreto de 20 do corrente, a Representação que essa
Camara Municipal dirigiu à Presença de Sua Magestade
A Rainha, pedindo que esta villa fosse elevada à cathegoria de Cidade, segundo foi
participado a este Governo Civil em Portaria da Secretaria d’Estado dos Negocios do Reino de 21 do referido mez; cumpre que V. Ex.cia, em execução da mesma
Portareia, solicite da ssobredita Secretaria, por seu bastante Procurador, a expedição do
necessario Diploma, o qual lhe será entregue com previo pagamento dos respectivos Direitos de Mercê, e mais despezas
legaes.
Deus Guarde V. Ex.cia
Vianna 27 de Janeiro de 1848.
O Governador Civil
Thomaz
d’Aquino Miz. da Cruz
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Carta do Governador Civil
ao Ministro Secretário
de Estado dos Negócios do Reino
Il.mo e Ex.mo Snr. Ministro Secretario d’Estado dos Negocios do Reino
Il.mo e Ex.mo Snr.
A notícia de haver Sua Magestade A Rainha, por seu Decreto de 20 do corrente elevado esta villa à cathegoria de cidade veio encher os seus habitantes da
mais viva satisfação. Eu mesmo quis ser o portador de tão grande nova; e
havendo feito reunir a Camara
Municipal, ali lhe li o documento apreciado, em que se dava parte da benevolência da
Soberana para com esta terra sempre fiel à Rainha e à Carta.
Não era de esperar que os relevantes serviços
prestados à Causa do Throno tão pronunciadamente provados na infeliz mas heroica tentativa de 20 de Outubro, e durante o
assedio memoravel do Castello de Viana transumpto fiel da resistencia de Coimbra no tempo de
Martim de Freitas, fossem esquecidos pela Rainha dos Portugueses, sempre attenta em mostrar a Sua Real Munificencia aos estrenuos deffensores do seu Throno, e da Carta Constitucional
da Monarchia. Não será por certo entregue ao esquecimento que durante o Ministerio de V. Ex.cia é que esta graça foi concedida embora seja ella exigua paga de uma devoção provada pela felicidade do Paiz.
Deus Guarde V. Ex.cia
Vianna 28 de Janeiro de 1848.
O Governador Civil
Thomaz
d’Aquino Martinz da Cruz
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CARTA
DO GOVERNADOR CIVIL
AO ADMINISTRADOR DO CONCELHO
Governo Civil de
Vianna = primeira Repartição = Circular = Illustrissimo Senhor = Tenho a satisfação
d’aannunciar a Vossa Senhoria que, por decreto de
vinte do corrente mez, Foi Sua Magestade A Rainha Servida elevar esta Villa à
cathegoria de Cidade. = Certo de que os habitantes d’este Concelho
não poderão ser indifferentes a
esta prova de consideração,
que a Soberana Se
Resolveo a dar à Capital do
Districto; V. S.ª dando primeiro parte desta grata noticia a Camara Municipal respectiva, a fará depois publicar neste
Concelho. = Deos Guarde a Vossa Senhoria =
Vianna vinte e oito de Janeiro de mil oito centos
quarenta e oito = O Governador Civil = Thomaz d’Aquino Martins da Cruz = Ilustrissimo Senhor Administrador
do Concelho de Vianna.
Está conforme
Admin.am
do Conc.lo de Vianna 4 de Fevereiro de 1848
O Escrivão
Antonio Jose
da Costa Vianna
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CARTA
DO ADMINISTRADOR DO CONCELHO À CÂMARA
MUNICIPAL
Il.mos Snr.es Presidente e Membros
da Camara Municipal desta Cidade
Il.mos Snr.es
Tenho a honra d’enviar a V. S.as,
por cópia, o
officio que pelo Gov.º Civil deste Districto me foi dirigido na data de 28 de Janeiro ultimo, em que se faz mensão de Haver Sua Magestade A Rainha feito a graça d’elevar esta povoação à cathegoria de Cidade, a fim de que V. S.ªs fiquem nesta intelligencia, como se determina no supracitado officio.
Deus Guarde a V. S.ª Vianna 4 de Fevereiro de
1848.
O Adm.dor
Manuel José Gavinho
13
Extracto da Sessão da Câmara de 29
de Janeiro de 1848
Aos vinte e nove de Janeiro de mil oitocentos quarenta e oito, em Vianna, e Paço publico da Camara onde se achavam reunidos o Presidente, e
vereadores no fim
assignados.
(...)
Foi lido o Officio do Governo Civil do Districto com data de 27 do corrente mez,
participando à Camara, que Sua Magestade
a Rainha fora servida Deferir por Decreto de 20
deste mesmo mês à Representação que a Camara
dirigira à Mesma Augusta Senhora pedindo que esta Villa fosse elevada à cathegoria de Cidade; pelo que cumpria que a Camara, por seu Procurador
solicitase a expedição do competente Diploma.
A Camara recebeo esta Graça que S. M. foi Servida Conceder, patenteando os seus sentimentos de reconhecimento
à Real Munificencia.
(Actas das Vereações 1847-1850, fl. 44 v.º -45)
14
Extracto da Sessão EXTRAORDINÁRIA da Câmara de 6 de Fevereiro de 1848
Aos seis de Fevereiro de mil oito centos quarenta e oito, em Vianna, e Paço publico da Camara, onde se
achavam reunidos < o Presidente e > os Vereadores abaixo
assignados, convocados extraordinariamente, por elle Presidente da Camara foi dito, que sendo mais profundosd os sentimentos da agradecimento de que esta Camara como representante do Município se acha possuida pela alta prova da Real Munificencia, que S. Magestade Concedeo a estes povos Fazendo
Mercê de Elevar à Cathegoria
de Cidade a Cabeça do
Concelho, não se tinham ainda todavia
patenteado assaz estes sentimentos, e por isso elle Presidente julgara conveniente convocar esta Sessão extraordinaria para propôr, que segundo o
estylo seguido em semelhantes
occasiões, se nomeasse uma Deputação que fosse levar aos pés do throno a homenagem do publico reconhecimento e gratidão dos habitantes desta Cidade, e beijar a Augusta e Generosa Mão que lhes concedeo
esta nova Graça. O que sendo unanimemente approvado, foram em seguida propostos e nomeados para comporem a mesma Deputação os excelentíssimos Conde de Porto Covo da Bandeira, e Visconde da Carreira
desta Cidade, e o Deputado pelo Minho D.or Antonio Correa Caldeira.
Concluio elle Presidente dizendo, que supposto se não tivessem prevenido estes Cidadãos, não era duvidoso, por sua delicadeza e virtudes, que aceitassem gostozos tão
apreciavel missão, movidos de seus proprios naturaes Sentimentos,
e dispensando qualquer formalidade, que a brevidade do tempo não permitte, sem que isso importe a menor quebra no respeito em que esta Camara tem a tão
distinctos Concidadãos. Que nesta conformidade se lhes
officiaria neste mesmo Correio
transmittindo-lhes copia do presente accordão, e que na mesma brevidade
exigida estava a maior rasão de uma tal convocação extraordinaria.
Propôs afinal à Camara, que assim encorporada fosse retribuir ao Excellentissimo Governador Civil, à Officialidade do Regimento 3, na pessoa do seu Comandante, ao Secretario Geral, e ao Administrador do Concelho a demonstração de especial
obsequio, que pela mesma occasião da Mercê do titulo de Cidade lhe
tributaram. Sendo tudo outrosim approvado se fechou este acto, que assignaram.
Manoell Carlos da Costa Corrêa d’Araujo Escrivão da Camara o escrevi.
(Assinaturas:)
Bandeira, Abreu e Lima, Quezado Campos
(Actas das Vereações 1847-1850, fl. 44
v.º -45)
15
PEDIDO DE INFORMAÇÃO
Il.mo
e Ex.mo Snr.
Tendo-me dito o Ex.mo Snr. Ministro do Reino, que talvez na proxima Quinta feira devia Ter lugar a recepção da
Deputação que por parte da Camara da Cidade de Vianna deve beijar a Mão de S. Mag.e, e como eu dezejei Ter tempo para avizar os Membros que compoem a
ditta Deputação, peço por isso a V.
Ex.a o favor de me dizer se está dezignado o dia e hora para o referido acto; pedindo eu desculpa a V. Ex.ª por este encommodo.
Aproveito com satisfação este momento, para repetir que sou com a maior estima, e consideração
De V. Ex.ª
Muito Att.º Am.º Obrig.º
1 de Março de 1848 Conde de Porto Covo
(Acrescentado
a lápis:) 11
horas
16
Agradecimento dos vianeses
No dia 2 do
corrente mês de Março,
pelas onze horas do manhã, no
Paço dos Necessidades,
tiveram a honra de ser
recebidos por Sua
Magestade a Rainha o conde de
Porto-Covo da Bandeira, o
Visconde da Carreira e
o Comendador António Corrêa Caldeira, e
de dirigir à Mesma Augusta Senhora a alocução que se
segue:
- SENHORA! A Câmara Municipal de Viana do Minho, profundamente
penhorada e agradecida pela distinta mercê que Vossa Majestade Se
Dignou fazer àquela antiga Villa, elevando-a à categoria de cidade,
encarregou-nos da honrosa Commissão de beijar a Real Mão a Vossa Majestade, e
a de El-Rei seu Augusto Esposo, por tão nobre preeminência,
e de Lhe exprimir os vivos sentimentos
da sua gratidão e
lealdade. A Câmara neste acto do seu reconhecimento representa fielmente o pensamento e
o coração de todo o povo daquele Concelho, e mui particularmente dos habitantes de
\liana, os quais não podiam deixar de receber com ufania uma tão sublime distinção. Não
ocultaremos porém a Vossa Majestade que esta preciosa demonstração da Real Benevolência suscitou naturalmente no coração dos Viannezes esperanças lisonjeiras, que ainda mais
realçaram a sua gratidão,
promettendo-lhes que não lhes fallecerá a poderosa Protecção do Throno no prosseguimento de outros importantes benefícios, de que muito carece a nova Cidade para poder sustentar dignamente o esplendor do seu título, e que aliás também
redundarão em proveito geral do commércio e da prosperidade nacional. A Câmara deseja que estes benefícios, juntamente com o do nobre predicado de Cidade, gravados no coração dos Viannezes, fiquem sendo um Padrão glorioso e
perenal do Reinado de Vossa Magestade,
que eles
transmittirão agradecidos a seus vindouros, de geração em geração até às mais remotas idades.
Digne-se Vossa Majestade acolher benignamente esta fiel exposição dos sentimentos, e dos desejos da Câmara Municipal da
Cidade de Vianna e os fervorosos votos, que, em nome della, e
do nosso próprio, dirigimos
ao Ceo pela felicidade de
Vossa Majestade, pela de El-Rei e de toda a Sua Real Descendência, e pela glória e prosperidade da Monarquia, sob os esperançosos auspícios das
Suas Excelsas Virtudes.
Sua
Magestade o Rainha
Dignou-se responder o seguinte:
- Recebo com satisfação o testImunho de reconhecimento, que, da Câmara Municipal de Viana do Minho, acabaes de expressar-Me pela elevação dessa Villa à cathegoria de cidade; e podeis assegurar àquella Municipalidade, que nunca cessarei de fazer sentir os effeitos da Minha Protecção aos habitantes da heroica Cidade de Vianna do Castello, e aos mais do Concelho, a fim de chegarem a gozar de todos os benefícios sociais de que por suas virtudes
cívicas se fazem credores.
(Textos
publicados no Diário do Governo de 3 de Março
de 1848, n.º 54. Existem também os manuscritos,
inclusive o rascunho, no processo
guardado no ANTT, e no Arquivo Municipal, as deste
a acompanhar o documento seguinte)
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CARTA
ENVIADA À CÂMARA DE VIANA
PELOS
MEMBROS DA DEPUTAÇÃO ACIMA
REFERIDA
Il.mo e Ex.mo Snr.
Manoel da Costa Bandeira,
Presidente da Camara Municipal da Cidade de Vianna.
Il.mo
e Ex.mo Sr.
Temos a honra de participar a V.
Ex.ª que Sua Magestade
a Rainha, acompanhada de ElRei Seu Augusto Esposo Se Dignou
admittir-nos à Sua Real Presença no dia 2 do corrente,
achando-se ali também o Ministro Secretario d’Estado dos Negocios do Reino, por via do qual haviamos sollicitado esta audiencia para comprir o honroso mandato, de que essa Câmara nos
encarregára pela acta da sua Sessão de 6 de Fevereiro proximo passado. Então
dirigimos a Sua Magestade o Discurso, junto por copia, a que A Mesma Augusta Senhora respondeu
da maneira que V. Ex.ª
verá da outra cópia, também annexa, seguindo-se o acto de beijarmos a Real Mão de S. M., e a de ElRei Seu Augusto Esposo, em nome e signal de agradecimento dessa Camara.
Passou-se depois a uma pequena conversa, na qual nós procuramos satisfazer às perguntas, cheias de
entresse e de affabilidade, que tanto S. M. a Rainha como ElRei nos fizeram sobre as precisões
dessa Cidade, e as providencias conveniewntes para remover os obstaculos que se oppoem ao natural incremento da
sua grandeza e
prosperidade.
Queira V. Ex.cia communicar à Camara o conteudo deste
Officio, e exprimir-lhe quanto nos será
lisongeiro ter acertado com os seus desejos e intenções no desempenho da
sua commissão.
Deos Guarde a V. Ex.ª Lisboa em 3 de Março de 1848.
Conde de Porto Covo da Bandeira
Visconde da Carreira
Dr. António
Corrêa Caldeira
[1] Arquivo Municipal de Viana do Castelo, Actas das Sessões da Câmara, 1845-1847, fl. 67 v.º
[2] Assim consta de uma nota, acrescentada à mencionada informação da Secretaria Geral dos Negócios do Reino, escrita em letra diferente e em linha vertical, em que se lê: «P. D. em 23 de Abril de 1846».«P.D.» quer dizer: «Para despacho».
[3] Arquivo Municipal de Viana do Castelo, Pasta de Correspondência, anos de 1848-1849, carta de 26 de Abril de 1849 (cópia).
[4] Esta memória, que apareceu como anónima, foi recentemente publicada em reedição fac-similada (A Defeza do Castello da Barra de Viana, Viana do Castelo, Câmara Municipal, 1997), com um prefácio que mostra desconhecer o nome do autor. Só assim se compreende a afirmação de
que a Memória «É fonte, não propriamente dos acontecimentos, embora as informações prestadas não sejam despiciendas, mas fonte histórica por onde podemos conhecer as várias paixões que se entrecruzaram na época agitada que foi a de meados do nosso século XIX». Ora a simples leitura do texto basta para descortinar no seu autor um protagonista bem no centro da acção e estudiosos que reproduziram este documento, ou se dedicaram ao estudo da Patuleia em Viana, mencionam Melquíades
Sobral como autor da Memória. É o caso de José Alpuim, Apontamentos relativos à villa de Viana hoje cidade de Viana do Castelo, 1877 (manuscrito), p. 155; Francisco Cirne de Castro, A
Patuleia no Alto Minho,
Viana do Castelo, 1964, passim. Só depois de se conhecer o autor do texto é possível entender todo o seu alcance. De contrário, sucederá o mesmo que o autor do citado prefácio decidiu escrever acerca da reedição da História de um fogo-morto: «foi pena não se lhe ter acrescentado um aparato crítico que explicasse estas e outras intenções dum texto que assim [...] corre o risco de não fazer chegar a quem o lê grande parte da mensagem projectada».
[5] Arquivo Nacional - Torre do Tombo, Secretaria Geral do Ministério do Reino, 2.ª repartição, processo n.º 628, maço 1281. Agradecemos a colaboração que nos deram os Prof. Doutor José Subtil, Dr. António
Maranhão Peixoto e Dr. Rui A. Faria Viana.
[6] O texto sublinhado foi colocado dentro de uma caixa, possivelmente quando este documento estava a ser usado como modelo do diploma promulgado em 1848.
[7] Ver nota anterior.