Elevação de Viana à categoria de cidade

A verdadeira história

Na antiguidade, a categoria de cidade tinha uma expressão institucional e cultural que abrangia uma vasta comunidade, não se confinando aos muros do aglomerado central. Seria inconcebível a existência de uma cidade que não possuísse uma ampla autonomia, do género daquela a que hoje chamamos municipal, e que não exercesse, ao mesmo tempo, uma certa polarização sobre o território circundante.
Próximos desta forma de pensar estavam alguns moradores de Viana, que, há mais de um século e meio, encetaram o processo que levou a que à povoação fosse conferido o título de cidade. Para evitar um aproveitamento sectário da história, importa que, de uma vez por todas, se diga toda e só a verdade acerca desse processo.
O estatuto administrativo da povoação tinha-se alterado na primeira metade do século XIX. Com efeito, em consequência da nova organização administrativa implementada no âmbito das reformas liberais, Viana tinha sido promovida a capital de distrito, o que lhe dava uma importância política que ultrapassava o termo do concelho e se estendia ao território situado entre o Minho e o Neiva, correspondente ao que se designa como Alto Minho.
Das dezassete povoações que, entre 1836 e 1842, foram arvoradas em sedes distritais, apenas três - Santarém, Vila Real e Viana - não eram ainda cidades. Setúbal desmembrar-se-ia de Lisboa apenas em 1926, elevando-se para dezoito o número dos distritos. Enquanto Santarém recuperaria, em 1868, a categoria de cidade, de que talvez já tivesse gozado em tempos antigos, Vila Real continuava mergulhada num apagamento de que só emergiria no século XX, com a elevação a cidade, em 1925.
Encorajada pelo novo estatuto político da povoação, como capital do distrito, detentora de um passado brilhante, desde quando as suas caravelas e naus sulcavam os mares, e sentindo que as brisas das prosperidade, ainda que moderadamente, a continuavam a bafejar, Viana sonhava com a elevação à categoria de cidade
Na sessão de 23 de Agosto de 1845, os vereadores «Acordaram que se representasse a sua Majestade Rainha pedindo-lhe a graça de elevar esta vila à categoria de cidade»[1].
Em consequência desta deliberação, foi remetida à Rainha, em 27 de Setembro de 1845, uma exposição a rogar tal mercê: «os habitantes de Viana, Senhora, desejam que o título de vila se mude no de cidade».
Como é de hábito, na petição, aduzem-se em primeiro lugar os considerandos de ordem política, aptos a captar a simpatia da soberana para com os suplicantes, neste caso, o facto de Viana ter sido das primeiras terras que após a invasão francesa proclamou os direitos da coroa real portuguesa; o facto de, em 1834, o seu Regimento de Milícias ter sido o único que na sua totalidade aclamou a Rainha, indo com as tropas fieis tomar a praça de Valença; o facto de os cidadãos de Viana se terem manifestado a favor da carta constitucional no movimento de 27 de Janeiro.
Apresentam-se em seguida as razões que fundamentam a pretensão, tornando-a merecedora de uma decisão favorável. Essas razões são de ordem geográfica, urbanística, económica e fiscal: a localização, a extensão da povoação, o porto de mar, o castelo, os belos edifícios públicos e privados, a importância comercial, os rendimentos dos habitantes e o volume dos impostos que pagam ao Estado.
Recebida a petição, o governo central solicitou a informação do Governador Civil de Viana, que se não podia mostrar mais favorável: todos os factos e razões de que a Câmara Municipal diz estar ornada a vila de Viana «são títulos tão honoríficos quanto verdadeiros», e por isso «Sua Majestade fará mais um acto de justiça, deferindo benignamente a súplica junta».
O Conselheiro Procurador Geral da Coroa, a quem competia dar o último parecer, em resposta ao ofício da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, em 7 de Novembro de 1845, informava que não tinha qualquer dúvida a esse respeito, pelo que lhe parecia que a pretensão manifestada pela Câmara Municipal de Viana era «digna de benigno deferimento». A Secretaria Geral dos Negócios do Reino anotava esta informação em 15 de Novembro do mesmo ano.
    Perante a ausência de resposta, ao que supomos, a ferver de impaciência, a Câmara Municipal de Viana insistiu, renovando a petição em 22 de Novembro de 1845. Também o Governador Civil, numa memória enviada à Rainha, sobre vários assuntos do distrito, voltou a insistir, solicitando o deferimento da petição, que possivelmente se teria extraviado temporariamente, como faz supor a resposta a um pedido de informação sobre o paradeiro do processo, datada de 24 de Março de 1846.
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D. Maria II (Escultura em madeira policromada, Museu Municipal)


Em 23 de Abril de 1846, o processo estava preparado para ser levado a despacho final[2], acompanhado de uma minuta do Decreto de elevação de Viana a cidade, com a mesma data e a assinatura do Conde de Tomar, Ministro do Reino (António Bernardo da Costa Cabral).
No entanto, em 20 de Maio de 1846, ainda não tinha sido referendado, como consta de uma nota onde se dizia «V. Ex.cia terá a bondade de ver se quer agora referendar este decreto», a que, a lápis, se acrescentou «aguarde-se até nova ordem».
Em Maio de 1846, Costa Cabral deixava o Ministério, o que explica a interrupção do processo, que se manteria suspenso, naturalmente por causa do clima de agitação geral em que o país e sobretudo o norte mergulhara. Ao levantamento da Maria da Fonte seguiu-se a revolta da Patuleia, e, nesse ambiente, era natural que passasse para segundo plano e que fosse até momentaneamente esquecido um negócio meramente burocrático, como o de elevação de uma vila à categoria de cidade. Nem teria sentido que uma tal mercê fosse concedida numa  data e a uma terra, onde, naquele momento, tal como noutras, se desconhecia o evoluir da solicitação, faltando mesmo a garantia de que o acto seria acolhido com a conveniente dignidade pelos destinatários.
Dominada a revolta da Patuleia, com a intervenção das forças espanholas e inglesas, e firmada, em Junho de 1847, nos arredores do Porto, a convenção de Gramido, reuniam-se as condições necessárias para que o processo fosse retomado, como de facto veio a acontecer.
Em 3 de Julho de 1847, para substituir a Câmara que estava em funções, tomou posse a Comissão Municipal nomeada pelo Governador Civil e presidida por Manuel da Costa Bandeira, nome que faz pensar no seu parentesco com o poderoso Ministro da Fazenda.
Em Lisboa, os órgãos do Governo regressavam ao seu funcionamento de rotina. Tal como as preocupações com a melhoria da barra - isso, porém, é outra história - o processo da elevação de Viana à categoria de cidade voltou à ordem do dia.
Por “decreto” de 20 de Janeiro de 1848, a criação da nova cidade obtinha definitivamente o despacho favorável. «Achando-se deferida (...) a Representação que a Câmara Municipal de Vianna do Minho dirigio à Presença de Sua Majestade a Rainha pedindo que aquella villa fosse elevada à cathegoria de cidade», refere a nota que em 21 de Janeiro ordena ao Governador Civil que dê o facto a saber à Câmara Municipal «para que esta solicite da referida Senhora, por seu bastante Procurador, a expedição do necessário Diploma, o qual lhe será entregue com prévio pagamento dos respectivos Direitos de Mercê e das despesas legais».
O Governador Civil desempenhou-se imediatamente destas funções, assinando, em 27 de Janeiro, o ofício endereçado à Câmara a comunicar a feliz notícia, e apressou-se a dar conta de ter cumprido a tarefa, numa carta endereçada ao Ministro Secretário dos Negócios do Reino, em 28 de Janeiro. Missiva idêntica à que enviou à Câmara remeteu ao administrador do concelho, que, mais uma vez, a 4 de Fevereiro, retransmitiria a notícia à Câmara.
O ofício do Governador foi lido na sessão da Câmara de 29 de Janeiro. «A Câmara recebeo esta Graça, que S. M. foi servida conceder, manifestando os seus sentimentos de reconhecimento à Real Munificência», registou o livro das Actas.
Considerando que ainda se não tinha patenteado de maneira suficiente o regozijo e a gratidão do moradores de Viana, o Presidente da Câmara resolveu convocar para o efeito uma sessão extraordinária, que teve lugar no dia 6 de Fevereiro, na qual propôs que, à semelhança do que se fazia em ocasiões semelhantes, se nomeasse uma deputação «que fosse levar aos pés do trono a homenagem do público reconhecimento e gratidão dos habitantes desta cidade». Aprovada por unanimidade a proposta, foram escolhidos, para representar o concelho nesta missão, três ilustres personagens, que, além de estarem ligados a Viana, residiam em Lisboa e se movimentavam à vontade dentro da Corte, o que simplificava o processo: o Conde de Porto Covo da Bandeira, Ministro da Fazenda, o Visconde da Carreira, aio dos infantes reais, ambos de Viana, e o Dr. António Correia Caldeira, de Ponte de Lima (sobrinho do Cardeal Saraiva), deputado pelo Minho.
No dia 2 de Março, pelas 11 horas da manhã, foi esta delegação recebida pela Rainha no Paço das Necessidades. A notícia do acto, assim com o texto da alocução dos representantes de Viana, a manifestarem a gratidão da nova cidade, e o breve agradecimento da Rainha foram publicados no Diário do Governo, no dia imediato. Essa notícia não refere qual dos três pronunciou o discurso de agradecimento, mas, como aparece mencionado em primeiro lugar e ocupava o cargo mais elevado, é de crer que foi o Conde de Porto Covo da Bandeira que se desempenhou dessa função. No mesmo dia 3, os componentes da delegação enviaram uma carta à Câmara de Viana, fazendo-a acompanhar do texto da sua intervenção de agradecimento e da breve resposta da Rainha.
     Era necessário pagar os direitos de mercê e levantar o respectivo diploma. A Câmara de Viana demorou a satisfazer esse encargo, não por qualquer contestação oficial ou razão subjectiva, mas simplesmente porque não devia ter dinheiro, pois se viu forçada a esvaziar o cofre para fazer adiantamentos, a título de empréstimo, à Junta do Porto e ao Conde do Casal, no decorrer da Patuleia. Depois de incluir a verba nos orçamentos de 1848 a 1849 e de 1849 a 1850, a Câmara, ainda em 1849, pediu autorização ao Ministério do Reino para fazer um encontro de contas entre a importância que a Fazenda Nacional lhe devia, pelo dinheiro levantado pelo General Conde do Casal (746.200 reis), e a importância de 120.000 reis que tinha de pagar pelos direitos de mercê, pela elevação a cidade e respectivo diploma. A autorização não lhe foi concedida, com a alegação de que se tratava de verbas que tinham de fazer percursos diferentes nas repartições públicas[3]. Pelo lançamento feito num dos livros da Despesa, verificamos que a Câmara liquidou essa importância no ano económico de 1849 a 1850, ainda que a verba não tenha sido discriminada nas respectivas contas de gerência.
Se chegou a ser emitido, não sabemos onde para o diploma da elevação de Viana à categoria de cidade, mas isso não será de estranhar quando tantos outros documentos têm desaparecido misteriosamente, incluindo o próprio foral manuelino, que ainda se encontrava no arquivo em meados do século XX e depois andou perdido durante algumas décadas, até que foi recentemente recuperado.

*   *   *
Em conclusão, fica bem claro, em face desta breve análise do processo, que a elevação de Viana à categoria de cidade, ao contrário do que, por vezes, se tem afirmado, não é uma consequência dos acontecimentos político-militares que, em 1846 e 1847, tiveram como cenário a fortaleza ou, em linguagem popular, o castelo de Santiago da Barra. É a conclusão natural de um processo desencadeado no ano de 1845, por iniciativa da Câmara Municipal de Viana. Peça fundamental desse processo foi a petição formulada pela Câmara, a que se juntaram as informações favoráveis dadas pelas entidades que ocupavam as posições mais indicadas para o efeito: o Governo Civil e a Secretaria Geral dos Negócios do Reino.
Os motivos que justificaram a elevação a cidade, como seria normal em tais circunstâncias, encontram-se mencionados na petição inicial e foram corroborados pelas informações recolhidas: a excelente situação geográfica, o desenvolvimento urbano, o progresso económico, o movimento portuário, a importância estratégica.
O patriotismo e a fidelidade dos seus habitantes não foram as causas determinantes da decisão, mas contribuíram certamente para que a pretensão manifestada pelos representantes de Viana fosse olhada com simpatia, e para que o processo, na sua primeira fase, decorresse com celeridade.


Primeira versão do decreto de elevação de Viana a cidade, que não chegou a ser outorgado


     A Maria da Fonte, de que resultou a substituição de Costa Cabral no ministério do Reino, e a Patuleia, com que o país respondeu ao golpe da Emboscada, devido à agitação que absorveu a atenção dos governantes e atingiu o próprio governo, assim como os acontecimentos que lhe estão ligados, tiveram apenas o efeito de retardar a promoção da vila da foz do Lima, que é a conclusão natural de um processo desencadeado no ano de 1845, por iniciativa da Câmara Municipal, com uma petição dirigida à Rainha.
Passada a agitação e, embora através da força, apaziguados os ânimos, o processo foi retomado, tendo a sua feliz conclusão no dia 20 de Janeiro de 1848.
O nome completo inesperadamente atribuído à cidade: «Viana do Castelo» não aparece anteriormente em nenhuma outra peça do processo. Na petição inicial, a «Câmara Municipal de Viana do Minho» pede simplesmente que à povoação seja conferido o «Título de "Cidade de Viana"». A minuta de 1846 designa-a como «Viana do Minho» e propõe que fique erecta em cidade «denominando-se Cidade de Viana». Como Viana do Minho a designa, em 1846, a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino. A designação de Viana do Castelo foi introduzida, no decreto de 20 de Janeiro de 1848, sem que saibamos quem foi o autor da iniciativa, mas talvez a possamos atribuir ao Conselheiro de Estado Extraordinário Bernardo Gorjão Henriques, que assina o documento.
Esse nome constituiu a única influência dos acontecimentos que, em 1846 e sobretudo em 1847, tiveram como cenário a fortaleza de Santiago da Barra. A história é sobejamente conhecida. Após a eclosão da Patuleia, o capitão Francisco Maria Melquíades da Cruz Sobral, que sob o comando do sogro, tenente-coronel João Cipriano de Barros e Vasconcelos, participara na repressão da Maria da Fonte, integrado na coluna do centro, a que terá pertencido também Jacinto Mendes de Oliveira, o célebre Pinotes, quando, em 1846, se formou a Junta do Porto, foi separado do seu regimento, com outros oficiais que não ofereciam confiança política. Em 29 de Dezembro, com um tenente e sessenta praças que o seguiram, saiu do Porto em direcção a Viana, onde ofereceu os seus serviços ao Conde do Casal, que o nomeou interinamente Governador do Castelo de Viana.
Num meio que lhe era quase totalmente adverso, acabou por ficar encurralado no castelo, onde seria vencido pela fome, já que os seus correligionários se mantinham indiferentes às mensagens que lhes remetia a pedir socorro e especialmente mantimentos. Tendo a penúria chegado ao extremo, em 6 de Maio de 1847, com os soldados de infantaria e artilharia, abandonou a fortaleza, pela calada da noite, fechando dentro dela os pobres e esfomeados veteranos, escondendo-se num casa abandonada e refugiando-se, no dia seguinte, na casa do cônsul inglês, com os oficiais que conseguiram escapar. «Assim terminou a defeza do Castello da Barra de Vianna, cuja guarnição, digna de melhor sorte, teve de abandoná-lo depois de reduzida à fome e à miséria, e ter soffrido com a maior resignação privações de toda a espécie a que foi comdempnada», escreve o próprio Sobral, na Memória anónima que publicou ainda nesse ano para defender a sua imagem e a dos seus homens, presos no Porto como desertores[4], enquanto ele, acompanhado dos seus oficiais, se foi apresentar como herói, em Lisboa, ao régio consorte, Comandante em Chefe do Exército, a quem, num gesto quixotesco, entregou a bandeira e a chave da porta exterior do castelo.
Interessava no entanto ao regime a mistificação dos acontecimentos, como meio de glorificar a sua própria causa e de a impor à opinião pública. O primeiro afloramento deste propósito observa-se na carta em que o Governador Civil, Tomaz de Aquino Martins da Cruz, comunicava à Câmara Municipal a elevação de Viana a cidade: «Não era de esperar que os relevantes serviços prestados à causa do Throno tão pronunciadamente provadas na infeliz mas heroica tentativa de 20 de Outubro, e durante o assédio memoravel do Castello de Viana, transumpto fiel da resistencia de Coimbra no tempo de Martim de Freitas, fossem esquecidos pela Rainha dos Portugueses». De mau gosto podia entender-se a comparação com Martim de Freitas, que se terá mantido fiel a uma causa perdida e a um rei defunto, D. Sancho II, em cujas mãos foi depor a Toledo as chaves do castelo de Coimbra, para as retomar, depois de verificar que o monarca já estava morto, e as ir entregar a D. Afonso III.
Para a maior parte dos vianeses, que tinham perfilhado a causa da Patuleia, a referência ao castelo poderia considerar-se uma ofensa, mas, depois das ingerências inglesas e da ocupação pelas tropas espanholas, em Junho de 1847, o melindre tornava-se insignificante, tanto mais que todo o norte tivera de se render, sob a pressão das forças estrangeiras, e aceitar a paz de Gramido.
Esqueçamos as horas mais tristes do passado. Olhados com maior distanciamento os acontecimentos, a designação dada à cidade, ultrapassado o momento e as circunstâncias históricas que estão na sua origem, e referida a outros momentos, reúne, apesar de tudo, as condições necessárias para se tornar aceite como referência emblemática.
A fortaleza de Santiago da Barra não é um castelo, nem Viana teve outro, em qualquer momento da sua história, nem esse nome se aplicava tecnicamente ao circuito amuralhado e robustecido com torres que defendia a povoação medieval. Mas a população de Viana habituou-se, desde sempre, a chamar castelo à fortaleza de Santiago. Essa designação aparece até em documentos oficiais, inclusivamente no círculo mais próximo dos eruditos e especialistas na matéria, como sucedeu numa carta régia de 1589, em que se anunciava a partida para Viana do mestre de campo Pero Bermudez para concluir «a fortificação do Castello que se faz nessa villa».
Essa fortaleza esteve ligada a alguns momentos infelizes da história de Viana e do país, como a ocupação filipina e a repressão da Patuleia, mas foi construída para proteger a cidade e a barra dos ataques dos corsários e de quaisquer outros inimigos. Nasceu para defender o porto, os navios nele ancorados, a vida e a fortuna das famílias de Viana - a riqueza dos mais poderosos e o pão de cada dia dos mais modestos - que, em grande parte, se deviam às viagens marítimas. A história do castelo identifica-se, por conseguinte, com a do porto de mar, tal como a do porto de mar se identifica com a da cidade.
Ultrapassadas as querelas políticas, o nome de Viana do Castelo, aceite como um facto consumado, evoca, para nós, não a repressão da Maria da Fonte e da Patuleia, mas os tempos mais longínquos e os factos mais grandiosos que fizeram a glória de Viana e das suas gentes.

Decreto de elevação de Viana a cidade, outorgado em 20 de Janeiro de 1848


Apêndice documental

 Os documentos a seguir transcritos, quando não se fizer outra referência, foram transcritos das Pastas das Correspondências e dos Livros das Actas das Vereações da Câmara Municipal de Viana e, a partir de fotocópias, do Processo do Arquivo Nacional da Torre do Tombo relativo à elevação de Viana a cidade[5].

1

Sessão da Câmara de 23 de Agosto de 1845

Aos vinte e tres dias d'Agosto de mil oitocentos quarenta e cinco, em Viana e Paço Público da Câmara presidindo o Vereador Presidente Francisco Manoel da Rocha Peixoto presentes os outros assignados [...]
Accordarão que se represente a sua Magestade Rainha pedindo lhe a graça de elevar esta villa a cathagoria de cidade; e que igualmente se lhe pedice toda a portecção em benefício da Barra desta Villa».

(Actas das Vereações da Câmara 1845-1847, fl. 67 v.º-68)

2

CARTA ENVIADA À RAINHA PELA CÂMARA MUNICIPAL DE VIANA

Senhora

A Câmara Municipal de Vianna do Minho não ousaria apresentar-se perante o Throno a pedir huma Graça importante, se lhe não servisse de escusa a Munificencia de Vossa Magestade.
Os Habitantes de Viana, Senhora, desejão que o Titulo de Villa se mude no de Cidade.
Desde tempos antigos Antepassados de Vossa Magestade lhe dérão o de Notavel, com assento em Cortes, gosando os Moradores das prerrogativas de Infanções.
Nos tempos modernos não tem deslusido seu lustre.
Depois da Invasão Francesa foi huma das primeiras terras que proclamou os Direitos do Augusto Avô de Vossa Magestade; e o impulso, que deo à Santa Causa da Independencia, muito concorreo para seu bom exito.
Em 1834 o Regimento de suas Milicias foi o único Corpo que completo com Estado Maior, e Bandeira, acclamou Vossa Magestade, indo com as Tropas fieis tomar a Praça de Valença, e restaurar a Provincia, merecendo ser conservado como Batalhão Nacional, e os elogios de Vossa Magestade, em Portaria do Ministerio da Guerra de 14 de Abril de 1834.
No glorioso Movimento de 27 de Janeiro, com sincero, e indisivel enthusiasmo seus Cidadãos levantarão a Carta Constitucional, e se oferecerão a tomar as armas para sustentar os Direitos de Vossa Magestade, e da proclamada a Constituição, e do Governo estabelecido.
Por sua situação, extensão, bellos Edifícios publicos, e particulares, por seu porto, Castello, e importancia comercial, e pelos Rendimentos que dá ao Estado, e riquesa de seus Habitantes não desmerece o Titulo, que pertende.
A Camara Municipal, Senhora, fundada, primeiro na Generosa Liberalidade de Vossa Magestade, e depois nas qualidade, que revestem a Villa de Viana, e leaes sentimentos de seus Cidadãos
Implora a Graça de lhe
ser conferido o título de
= Cidade de Viana =

Viana em Camara 27 de Setembro de 1845

Francisco Manoel da Rocha Peixoto
Presid.e
João Loureiro Affonso
Fiscal
João Martins Vianna
Bento Joze da Cunha
Gaspar da Rocha Paes de Barros Cação
José Alz. Vianna

A segunda carta, enviada quase dois meses depois, difere desta apenas na data e, parcialmente, nos nomes dos subscritores:

Vianna do Minho em Camara 22 de Novembro de 1845
Francisco Manoel da Rocha Peixoto
Manoel Antonio Amorim
Bento Joze da Cunha
João Martins Vianna
José Alz. Vianna

3

INFORMAÇÃO DO GOVERNO CIVIL DE VIANA

Governo Civil
de
Viana
1.ª
Repartição

Il.mo Ex.mo Sr.

Os serviços prestados ao Estado; a lealdade de seus habitantes; e a sua constante adhesão ao Throno da Rainha, e à Carta Constitucional da Monarchia, sua riquesa, e importancia commercial, todas as qualidades em fim, de que a Camara Municipal julga revestida a Villa de Vianna, quando pede a Sua Magestade Se Digne ellevala à cathegoria de cidade, sam titulos tão honorificos, quanto verdadeiros.
Sua Magestade Fará mais um acto de justiça Deferindo benignamente à supplica junta.
É quanto me cumpre levar ao conhecimento de V. Ex.cia em execução do que foi determinado no officio desse Ministerio de 9 do corrente mez.

4

INFORMAÇÃO DA PROCURADORIA GERAL DO REINO

Ex.mo Snr. Ministro e Secretario
dos Negocios do Reino

Il.mo e Ex.mo Sr.

Satisfazendo ao Officio da Secretaria d’Estado dos Negocios do Reino de 30 de Outubro ultimo, à cerca do requerimento (que restituo com os mais papeis relativos), em que a Camara Municipal de Viana do Minho pede que a mesma Villa seja elevada à Cathegoria de Cidade, cumpre-me responder que bem longe de se me offerecer duvida a este respeito, pelas acertadas considerações que expende o Governador Civil do mesmo Districto no Officio adjunto, adopto a sua opinião, parecendo-me digna de benigno deferimento a indicada pertenção.
Deus Guarde V. Ex.ª Lisboa 7 de Novembro de 1845

O Cons.ro Proc.or Geral da Corôa
José Manuel d’ A. e A. C. de Lacerda

5

NOTA AVULSA

Secretaria G.al 2.ª Rep. Am L. 3 N.º 628 em 15 de Nov. de 1845

Pedio a Camara de Vianna do Minho ser a Villa elevada à cathegoria de Cidade.
Responde o Procurador da Coroa, em comcordancia com o Governador Civil, que a acha digna de benigno deferimento

(À margem, na vertical:)
P.D. em 23 de Abril de 1846

6

DECRETO QUE NÃO CHEGOU A SER PROMULGADO

Attendendo a que a Villa de Viana do Minho possue os elementos e recursos necessarios para bem sustentar a cathegoria de Cidade, derivados da sua extensa e vantajosa posição topographica, da sua riquesa e importancia commercial, e da qualidade dos edificios de que é composta e tomando igualmente em consideração os serviços em differentes epochas[6] prestados ao Estado pelos seus habitantes, e os sentimentos de lealdade e constante adhesão, que consagram[7] ao Throno e à Carta Cnstitucional da Monarchia e Conformando-se com a informação do Gopvernador Civil do Districto de Vianna, e com o parecer do Conselheiro Procurador Geral da Crôa, Hei por bem e Me praz, Deferindo à supplica da Camara Municipal respectiva que a referida Villa de Vianna do Minho fique erecta em Cidade, denominando-se Cidade de Vianna, e que como tal gose de todas as prerogativas que direitamente lhe pertencerem. E Mando que pela Secretaria d’ Estado dos Negocios do Reino se passe Carta à Camara Municipal daquele Concelho em dois diferentes exemplares, um delles para seu Titulo e outro para se remetter ao Real Archivo da Torre do Tombo. O Conselheiro d’ Estado Ministro Secretario d’Estado dos Negocios do Reino assim tenha entendido e faça executar. Palacio de Belem em vinte e tres d’Abril de mil oitocentos quarenta e seis.

Rainha
Conde de Thomar

6

NOTA AVULSA

Il.mo e Ex.mo Sr.

V. Ex.ª terá a bondade de se quer agora referendar este Decreto
20 - Maio 1846

(Acrescentado a lápis na parte superior:)
Aguarde-se até nova ordem

7

DECRETO DE D. MARIA II

Atendendo a que a Villa de Vianna do Minho possue os elementos e recursos necessarios para bem sustentar a cathegoria de cidade, derivados da sua extensão e vantajosa posição topographica, da sua riqueza e importância comercial, e da qualidade dos edifícios de que é composta; e tomando igualmente em consideração os impor­tantes serviços prestados ao Estado pelos seus habitantes, e os sen­timentos de lealdade e constante adesão ao Trono e à Carta Constitucional da Monarchia, que eles em diferentes épocas têm manifestado por actos de acrisolada devoção cívica e heróicos feitos de valor. Por estes respeitos, e Deferindo à supplica da Câmara Municipal da mencionada Villa, em vista da informação do Governo Civil de Vianna, e da resposta fiscal do Procurador Geral da Corôa, com a qual Me conformo: Hei por bem e Me Praz, que a Villa de Vianna do Minho fique erecta em cidade, com a denominação de Cidade de Vianna do Castello, e que n’esta qualidade goze de todas as prerogativas que direitamente lhe pertencerem. E Mando que pela Secretaria d’Estado dos Negócios do Reino se passe Carta à Câmara Municipal daquele Concelho em dois differentes exem­plares, um d’eles para seu Titulo e outro para se remeter ao Real Archivo da Torre do Tombo.
O Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino assim o tenha entendido e faça executar.
Paço das Necessidades, em vinte de Janeiro de mil oitocentos e quarenta e oito.

Rainha
Bernardo Gorjão Henriques

8

CARTA DO CONSELHEIRO DE ESTADO EXTRAORDINÁRIO AO GOVERNADOR CIVIL
(MINUTA)

Achando-se deferida, por Decreto de 20 do corrente mez, a Representação que a Camara Municipal de Vianna do Minho dirigio à Presença de S. Mag. < a Rainha >, pedindo que aquella Villa fosse elevada à cathegoria de Cidade: Manda a Mesma Augusta Senhora, pela Secretaria d’Estado dos Negocios do Reino, que o Gov.or C. do Distrito de Vianna assim o faça constar à sobred.ª Camara, para que esta sollicite da referida Secret.ª, por seu bastante Procurador, a expedição do necessario Diploma, o qual lhe será entregue com previo pagam.º dos respectivos direitos de Mercê e mais despesas legaes. Paço das N.es em 21 de Janeiro de 1848.

B. Gorjão Henriques

9

CARTA DO GOVERNADOR CIVIL À CÂMARA MUNICIPAL DE VIANA

Ex.mo Snr. Presidente da
Camara Municipal de Vianna

Il.mo e Ex.mo Sr.

Achando-se deferida, por Decreto de 20 do corrente, a Representação que essa Camara Municipal dirigiu à Presença de Sua Magestade A Rainha, pedindo que esta villa fosse elevada à cathegoria de Cidade, segundo foi participado a este Governo Civil em Portaria da Secretaria d’Estado dos Negocios do Reino de 21 do referido mez; cumpre que V. Ex.cia, em execução da mesma Portareia, solicite da ssobredita Secretaria, por seu bastante Procurador, a expedição do necessario Diploma, o qual lhe será entregue com previo pagamento dos respectivos Direitos de Mercê, e mais despezas legaes.
Deus Guarde V. Ex.cia Vianna 27 de Janeiro de 1848.

O Governador Civil
Thomaz d’Aquino Miz. da Cruz

10

Carta do Governador Civil
ao Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino

Il.mo e Ex.mo Snr. Ministro Secretario d’Estado dos Negocios do Reino

Il.mo e Ex.mo Snr.          

A notícia de haver Sua Magestade A Rainha, por seu Decreto de 20 do corrente elevado esta villa à cathegoria de cidade veio encher os seus habitantes da mais viva satisfação. Eu mesmo quis ser o portador de tão grande nova; e havendo feito reunir a Camara Municipal, ali lhe li o documento apreciado, em que se dava parte da benevolência da Soberana para com esta terra sempre fiel à Rainha e à Carta.
Não era de esperar que os relevantes serviços prestados à Causa do Throno tão pronunciadamente provados na infeliz mas heroica tentativa de 20 de Outubro, e durante o assedio memoravel do Castello de Viana transumpto fiel da resistencia de Coimbra no tempo de Martim de Freitas, fossem esquecidos pela Rainha dos Portugueses, sempre attenta em mostrar a Sua Real Munificencia aos estrenuos deffensores do seu Throno, e da Carta Constitucional da Monarchia. Não será por certo entregue ao esquecimento que durante o Ministerio de V. Ex.cia é que esta graça foi concedida embora seja ella exigua paga de uma devoção provada pela felicidade do Paiz.
Deus Guarde V. Ex.cia Vianna 28 de Janeiro de 1848.

O Governador Civil
Thomaz d’Aquino Martinz da Cruz

11

CARTA DO GOVERNADOR CIVIL AO ADMINISTRADOR DO CONCELHO

Governo Civil de Vianna = primeira Repartição = Circular = Illustrissimo Senhor = Tenho a satisfação d’aannunciar a Vossa Senhoria que, por decreto de vinte do corrente mez, Foi Sua Magestade A Rainha Servida elevar esta Villa à cathegoria de Cidade. = Certo de que os habitantes d’este Concelho não poderão ser indifferentes a esta prova de consideração, que a Soberana Se Resolveo a dar à Capital do Districto; V. S.ª dando primeiro parte desta grata noticia a Camara Municipal respectiva, a fará depois publicar neste Concelho. = Deos Guarde a Vossa Senhoria = Vianna vinte e oito de Janeiro de mil oito centos quarenta e oito = O Governador Civil = Thomaz d’Aquino Martins da Cruz = Ilustrissimo Senhor Administrador do Concelho de Vianna.

Está conforme
Admin.am do Conc.lo de Vianna 4 de Fevereiro de 1848
O Escrivão
Antonio Jose da Costa Vianna

12

CARTA DO ADMINISTRADOR DO CONCELHO À CÂMARA MUNICIPAL

Il.mos Snr.es Presidente e Membros
da Camara Municipal desta Cidade

Il.mos Snr.es

Tenho a honra d’enviar a V. S.as, por cópia, o officio que pelo Gov.º Civil deste Districto me foi dirigido na data de 28 de Janeiro ultimo, em que se faz mensão de Haver Sua Magestade A Rainha feito a graça d’elevar esta povoação à cathegoria de Cidade, a fim de que V. S.ªs fiquem nesta intelligencia, como se determina no supracitado officio.
Deus Guarde a V. S.ª Vianna 4 de Fevereiro de 1848.

O Adm.dor
Manuel José Gavinho

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Extracto da Sessão da Câmara de 29 de Janeiro de 1848

Aos vinte e nove de Janeiro de mil oitocentos quarenta e oito, em Vianna, e Paço publico da Camara onde se achavam reunidos o Presidente, e vereadores no fim assignados.
(...)
Foi lido o Officio do Governo Civil do Districto com data de 27 do corrente mez, participando à Camara, que Sua Magestade a Rainha fora servida Deferir por Decreto de 20 deste mesmo mês à Representação que a Camara dirigira à Mesma Augusta Senhora pedindo que esta Villa fosse elevada à cathegoria de Cidade; pelo que cumpria que a Camara, por seu Procurador solicitase a expedição do competente Diploma.
A Camara recebeo esta Graça que S. M. foi Servida Conceder, patenteando os seus sentimentos de reconhecimento à Real Munificencia.

(Actas das Vereações 1847-1850, fl. 44 v.º -45)

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Extracto da Sessão EXTRAORDINÁRIA da Câmara de 6 de Fevereiro de 1848

Aos seis de Fevereiro de mil oito centos quarenta e oito, em Vianna, e Paço publico da Camara, onde se achavam reunidos < o Presidente e > os Vereadores abaixo assignados, convocados extraordinariamente, por elle Presidente da Camara foi dito, que sendo mais profundosd os sentimentos da agradecimento de que esta Camara como representante do Município se acha possuida pela alta prova da Real Munificencia, que S. Magestade Concedeo a estes povos Fazendo Mercê de Elevar à Cathegoria de Cidade a Cabeça do Concelho, não se tinham ainda todavia patenteado assaz estes sentimentos, e por isso elle Presidente julgara conveniente convocar esta Sessão extraordinaria para propôr, que segundo o estylo seguido em semelhantes occasiões, se nomeasse uma Deputação que fosse levar aos pés do throno a homenagem do publico reconhecimento e gratidão dos habitantes desta Cidade, e beijar a Augusta e Generosa Mão que lhes concedeo esta nova Graça. O que sendo unanimemente approvado, foram em seguida propostos e nomeados para comporem a mesma Deputação os excelentíssimos Conde de Porto Covo da Bandeira, e Visconde da Carreira desta Cidade, e o Deputado pelo Minho D.or Antonio Correa Caldeira.
Concluio elle Presidente dizendo, que supposto se não tivessem prevenido estes Cidadãos, não era duvidoso, por sua delicadeza e virtudes, que aceitassem gostozos tão apreciavel missão, movidos de seus proprios naturaes Sentimentos, e dispensando qualquer formalidade, que a brevidade do tempo não permitte, sem que isso importe a menor quebra no respeito em que esta Camara tem a tão distinctos Concidadãos. Que nesta conformidade se lhes officiaria neste mesmo Correio transmittindo-lhes copia do presente accordão, e que na mesma brevidade exigida estava a maior rasão de uma tal convocação extraordinaria.
Propôs afinal à Camara, que assim encorporada fosse retribuir ao Excellentissimo Governador Civil, à Officialidade do Regimento 3, na pessoa do seu Comandante, ao Secretario Geral, e ao Administrador do Concelho a demonstração de especial obsequio, que pela mesma occasião da Mercê do titulo de Cidade lhe tributaram. Sendo tudo outrosim approvado se fechou este acto, que assignaram.

Manoell Carlos da Costa Corrêa d’Araujo Escrivão da Camara o escrevi.
(Assinaturas:) Bandeira, Abreu e Lima, Quezado Campos

(Actas das Vereações 1847-1850, fl. 44 v.º -45)

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PEDIDO DE INFORMAÇÃO

Il.mo e Ex.mo Snr.

Tendo-me dito o Ex.mo Snr. Ministro do Reino, que talvez na proxima Quinta feira devia Ter lugar a recepção da Deputação que por parte da Camara da Cidade de Vianna deve beijar a Mão de S. Mag.e, e como eu dezejei Ter tempo para avizar os Membros que compoem a ditta Deputação, peço por isso a V. Ex.a o favor de me dizer se está dezignado o dia e hora para o referido acto; pedindo eu desculpa a V. Ex.ª por este encommodo.
Aproveito com satisfação este momento, para repetir que sou com a maior estima, e consideração
De V. Ex.ª
Muito Att.º Am.º Obrig.º
1 de Março de 1848                                                  Conde de Porto Covo

(Acrescentado a lápis:) 11 horas

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Agradecimento dos vianeses

No dia 2 do corrente mês de Março, pelas onze horas do manhã, no Paço dos Necessidades, tiveram a honra de ser recebidos por Sua Magestade a Rainha o conde de Porto-Covo da Bandeira, o Vis­conde da Carreira e o Comendador António Corrêa Caldeira, e de dirigir à Mesma Augusta Senhora a alocução que se segue:
- SENHORA! A Câmara Municipal de Viana do Minho, profundamente penhorada e agradecida pela distinta mercê que Vossa Majestade Se Dignou fazer àquela antiga Villa, elevando-a à categoria de cidade, encarregou-nos da honrosa Commissão de beijar a Real Mão a Vossa Majestade, e a de El-Rei seu Augusto Esposo, por tão nobre preeminência, e de Lhe exprimir os vivos sentimentos da sua gratidão e lealdade. A Câmara neste acto do seu reconhecimento repre­senta fielmente o pensamento e o coração de todo o povo daquele Concelho, e mui particularmente dos habitantes de \liana, os quais não podiam deixar de receber com ufania uma tão sublime distinção. Não ocultaremos porém a Vossa Majestade que esta preciosa de­monstração da Real Benevolência suscitou naturalmente no co­ração dos Viannezes esperanças lisonjeiras, que ainda mais realçaram a sua gratidão, promettendo-lhes que não lhes fallecerá a poderosa Protecção do Throno no prosseguimento de outros importantes be­nefícios, de que muito carece a nova Cidade para poder sustentar dignamente o esplendor do seu título, e que aliás também redundarão em proveito geral do commércio e da prosperidade nacional. A Câmara deseja que estes benefícios, juntamente com o do nobre predicado de Cidade, gravados no coração dos Viannezes, fiquem sendo um Padrão glorioso e perenal do Reinado de Vossa Mages­tade, que eles transmittirão agradecidos a seus vindouros, de geração em geração até às mais remotas idades.
Digne-se Vossa Majestade acolher benignamente esta fiel exposição dos sentimentos, e dos desejos da Câmara Municipal da Cidade de Vianna e os fervorosos votos, que, em nome della, e do nosso próprio, dirigimos ao Ceo pela felicidade de Vossa Majestade, pela de El-Rei e de toda a Sua Real Descendência, e pela glória e prosperidade da Monarquia, sob os esperançosos auspícios das Suas Excelsas Virtudes.

Sua Magestade o Rainha Dignou-se responder o seguinte:

- Recebo com satisfação o testImunho de reconhecimento, que, da Câmara Municipal de Viana do Minho, acabaes de expressar-Me pela elevação dessa Villa à cathegoria de cidade; e podeis assegurar àquella Municipalidade, que nunca cessarei de fazer sentir os effeitos da Minha Protecção aos habitantes da heroica Cidade de Vianna do Castello, e aos mais do Concelho, a fim de chegarem a gozar de todos os benefícios sociais de que por suas virtudes cívicas se fazem credores.

(Textos publicados no Diário do Governo de 3 de Março de 1848, n.º 54. Existem também os manuscritos, inclusive o rascunho, no processo guardado no ANTT, e no Arquivo Municipal, as deste a acompanhar o documento seguinte)

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CARTA ENVIADA À CÂMARA DE VIANA
PELOS MEMBROS DA DEPUTAÇÃO ACIMA REFERIDA

Il.mo e Ex.mo Snr. Manoel da Costa Bandeira,
Presidente da Camara Municipal da Cidade de Vianna.

Il.mo e Ex.mo Sr.

Temos a honra de participar a V. Ex.ª que Sua Magestade a Rainha, acompanhada de ElRei Seu Augusto Esposo Se Dignou admittir-nos à Sua Real Presença no dia 2 do corrente, achando-se ali também o Ministro Secretario d’Estado dos Negocios do Reino, por via do qual haviamos sollicitado esta audiencia para comprir o honroso mandato, de que essa Câmara nos encarregára pela acta da sua Sessão de 6 de Fevereiro proximo passado. Então dirigimos a Sua Magestade o Discurso, junto por copia, a que A Mesma Augusta Senhora respondeu da maneira que V. Ex.ª verá da outra cópia, também annexa, seguindo-se o acto de beijarmos a Real Mão de S. M., e a de ElRei Seu Augusto Esposo, em nome e signal de agradecimento dessa Camara. Passou-se depois a uma pequena conversa, na qual nós procuramos satisfazer às perguntas, cheias de entresse e de affabilidade, que tanto S. M. a Rainha como ElRei nos fizeram sobre as precisões dessa Cidade, e as providencias conveniewntes para remover os obstaculos que se oppoem ao natural incremento da sua grandeza e prosperidade.
Queira V. Ex.cia communicar à Camara o conteudo deste Officio, e exprimir-lhe quanto nos será lisongeiro ter acertado com os seus desejos e intenções no desempenho da sua commissão.
Deos Guarde a V. Ex.ª Lisboa em 3 de Março de 1848.

Conde de Porto Covo da Bandeira
Visconde da Carreira
Dr. António Corrêa Caldeira
                                                                                                                                                             


[1] Arquivo Municipal de Viana do Castelo, Actas das Sessões da Câmara, 1845-1847, fl. 67 v.º
[2] Assim consta de uma nota, acrescentada à mencionada informação da Secretaria Geral dos Negócios do Reino, escrita em letra diferente e em linha vertical, em que se : «P. D. em 23 de Abril de 1846».«P.D.» quer dizer: «Para despacho».
[3] Arquivo Municipal de Viana do Castelo, Pasta de Correspondência, anos de 1848-1849, carta de 26 de Abril de 1849 (cópia).
[4] Esta memória, que apareceu como anónima, foi recentemente publicada em reedição fac-similada (A Defeza do Castello da Barra de Viana, Viana do Castelo, Câmara Municipal, 1997), com um prefácio que mostra desconhecer o nome do autor. assim se compreende a afirmação de que a Memória «É fonte, não propriamente dos acontecimentos, embora as informações prestadas não sejam despiciendas, mas fonte histórica por onde podemos conhecer as várias paixões que se entrecruzaram na época agitada que foi a de meados do nosso século XIX». Ora a simples leitura do texto basta para descortinar no seu autor um protagonista bem no centro da acção e estudiosos que reproduziram este documento, ou se dedicaram ao estudo da Patuleia em Viana, mencionam Melquíades Sobral como autor da Memória. É o caso de José Alpuim, Apontamentos relativos à villa de Viana hoje cidade de Viana do Castelo, 1877 (manuscrito), p. 155; Francisco Cirne de Castro, A Patuleia no Alto Minho, Viana do Castelo, 1964, passim. depois de se conhecer o autor do texto é possível entender todo o seu alcance. De contrário, sucederá o mesmo que o autor do citado prefácio decidiu escrever acerca da reedição da História de um fogo-morto: «foi pena não se lhe ter acrescentado um aparato crítico que explicasse estas e outras intenções dum texto que assim [...] corre o risco de não fazer chegar a quem o grande parte da mensagem projectada».
[5] Arquivo Nacional - Torre do Tombo, Secretaria Geral do Ministério do Reino, 2.ª repartição, processo n.º 628, maço 1281. Agradecemos a colaboração que nos deram os Prof. Doutor José Subtil, Dr. António Maranhão Peixoto e Dr. Rui A. Faria Viana.
[6] O texto sublinhado foi colocado dentro de uma caixa, possivelmente quando este documento estava a ser usado como modelo do diploma promulgado em 1848.
[7] Ver nota anterior.