População de Viana - finta para as Pontes de Terva e Pedrinha

 Há alguns anos, iniciámos o estudo demográfico da Viana da Foz do Lima, actual Viana do Castelo, com a análise do rol de cobrança de um imposto destinado a financiar a construção da ponte da Ajuda, hoje em ruínas, que estabelecia a ligação entre Elvas e Olivença: a Finta para a construção da ponte sobre o Guadiana, lançada em 1517[1]. Posteriormente, o estudo de do rol da cobrança do pedido aprovado pelas cortes de Almeirim, de 1544, colocou-nos perante a expansão que, iniciada no século anterior, continuou nas décadas seguintes[2], culminando nos meados de quinhentos[3].

Em relação ao período de relativa acalmia demográfica, que caracteriza localmente a segunda metade do século, outro documento – o Rol da inscrição na Confraria do Nome de Jesus, de 1561 – ajudou-nos conhecer outros aspectos desta comunidade, como o número e a estrutura das famílias, incluindo o nome de cada um dos membros do agregado familiar, e a mentalidade, designadamente no domínio da religião[4].

Tal como tínhamos começado, chegamos ao fim do século, com o rol da finta para uma ponte ou, melhor, para duas pontes, que completa o retrato demográfico da povoação e seu termo rural: a Finta para as Pontes de Terva e Pedrinha[5], lançada em 1600. 

 A pedido da Cãmara de Montalegre, o governo central ordenou, em 1594, a reconstrução de duas pontes que se encontravam arruinadas, no termo do respectivo concelho[6], e, para financiar as obras, mandou lançar uma finta aos moradores de todas as comarcas situadas a norte do Douro: Porto, Guimarães, Viana, Torre de Moncorvo e Miranda. A ordem de execução foi datada em Lisboa, em 15 Dezembro de 1596. Ficou incumbido de proceder à execução da ordem régia o provedor da comarca de Guimarães (por razões de proximidade, também devia ser esta terra a mais interessada). O total da finta devia atingir “huum comto e cemto e setemta mill rs.” e seria repartido de tal modo que “hos luguares que das ditas comarqas tiverem menos pasagem pellas ditas pomtes paguem menos que hos que tiverem mais”, o que naturalmente deixava uma certa margem de subjectividade aos agentes que iriam fixar os vários contributos.

A provisão régia ordenava que as pontes se fizessem com boas traças e de maneira que ficassem seguras, e fossem entregues a quem as fizesse pelo menor preço, dentro dos limites orçamentados. Acabaram por ser arrematadas por Manuel Álvares, mestre de pedraria, morador na vila de Chaves, “em comtia de huum comto cemto he coremta mill rs.”[7]

 

Ponte Pedrinha sobre o rio Beça
 

Havia, e ainda há, diversas pontes antigas na área de Boticas e de Montalegre, outras já ruiram com a falta de manurenção e a passagem do tempo. Uma delas era a ponte de Terva, que ficou a dever o nome ao rio que atravessava, e estava ainda de pé na altura em que foram elaboradas as Memórias Paroquiais, onde se diz “Tem huma ponte de tres arcos entre Sapellos e Sapiais, que hé estrada de Braga para Chaves, ou de Chaves para Braga, por se não poder passar a vao em inchentes”.[8] (Capella e Borrageiro 2001, 149). Situava-se entre Sapelos e Sapiãos, numa antiga região mineira, e sobre ela passava a estrada romana que fazia a ligação ente Braga e Chaves, ou pelo menos uma das suas variantes, e foi, durante vários séculos, a principal via de comunicação entre o Minho e o noroeste de Trás-os-Montes. A outra era a ponte Pedrinha, neste documento também dita Ponte de Alpedrinha, em granito e ainda de pé, que há pouco tempo[9] dava passagem à E. N. 312, sobre o rio Beça, na freguesia de Bobadela, concelho de Boticas, e, como a anterior, era naturalmente sucedânea da antiga via romana. Possui um tabuleiro com uma configuração em cavalete pouco acentuado e ainda com guardas, assente num conjunto de cinco arcos de diferentes tamanhos, de perfil entre a volta perfeita e o arco quebrado, com o arco central protegido a montante por robustos talhamares. Foi a necessidade de reconstruir estas pontes que originou o lançamento da finta, de que trata um dos documentos em que se apoia o nosso estudo.

A informação fornecida por este rol, pode ser complementada por outra documentação da época, designadamente pelo Livro das Sisas e Avenças de 1598, que constituiu um valioso testemunho acerca da população e da economia na vila e no concelho no fim de quinhentos, especialmente em relação ao termo rural[10], porque faz o elenco de todos os seus moradores, enquanto a Finta limita-se a registar as quantias globais arrecadas em cada uma das freguesias. Embora diga respeito ao ano de 1598, a sua elaboração e a cobrança das respectivas verbas não estariam concluídas antes dos finais de 1599, o que aproxima a sua cronologia e a da Finta anteriormente referida.

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 Ao findar o século XVI, em relação ao que sucedia algumas décadas atrás, e designadamente em relação ao Rol da Confraria do Nome de Jesus, de 1561, não se registam modificações no tecido urbano, para além de pequenas oscilações na toponímia, uma vez que, conforme já referimos, as ruas não tinham designação oficial e eram referidas com um nome já tradicional ou alusivo a alguma circunstância concreta mais recente.

É de advertir que no Livro da Finta se encontra o elenco das famílias (ou daqueles que as encabeçam). A cobrança do tributo para a construção das pontes de Terva e Pedrinha, efectuada em 1599, é a última informação de que dispomos para conhecer o estado global da povoação na viragem do século, mas é necessário prevenir que também esta listagem se apresenta incompleta, porque não constam dela as famílias encabeçadas por mulheres, viúvas ou solteiras. Fazendo uma extrapolação idêntica àquela a que procedemos noutras circunstâncias, juntando mais umas três dezenas de famílias às 1168 famílias, obtemos um total próximo das 1200. Viana teria à volta de cinco milhares de habitantes.

 Transcrição (clicar aqui)

 


[1] António Matos Reis, Viana em 1517 – Urbanismo, demografia, sociedade, em Estudos Regionais 15? (1994), p. 7-68. Separata, com edição revista, Viana do Castelo, 1995.

[2] Idem, “A população de Viana da Foz do Lima no século XVI – I (Transformações urbanas e demografia)”, em Estudos Regionais, Viana do Castelo 2.ª série, n.º 6 (2012), p. 49-65.

[3] Idem, “A população de Viana da Foz do Lima no século XVI – II (Moradores e fortunas 1544-1550)”, Estudos Regionais, Viana do Castelo, 2.ª série, n.º 7 (2013), p. 183-216.

[4]Viana da Foz de Lima no século XVI – as famílias vianesas segundo o rol de inscrição na Confraria do Nome de Jesus em 1561”, em Cadernos Vianenses, 50, 2016, p. 67- 146.

[5] Incialmente tivemos alguma dificuldade em identificar estas «pomtes de Treva e Pedrynha que hestão sitas no termo da villa de Momtehallegre». A ponte Pedrinha é naturalmente a que transpõe o rio Beça, em Boticas. Quanto à outra, que inicialmente parecia ser a ponte de Torno, surgiu-nos a dúvida: existe uma ponte do Torno em Carrazeda de Ansiães, bem longe de Montalegre, e também, relativamente proxima, havia e ainda está de pé na Galiza uma ponte com esse nome, que dava passagem, sobre o rio Lima, à sucedânea da velha estrada romana que ligava a Portela do Homem a Celanova. Mas os autos preliminares da Finta são claros ao dizer que se tratava de pontes localizadas no termo de Montalegre. Fica assim rectificado o nome duma das pontes a que destinava a finta, que não seria a de “Torno”, como já referimos em estudo anterior, mas a de “Terva”.

[6] O termo de Montalegre abrangia também o território do actual concelho de Boticas, que apenas seria desmembrado de Montalegre em 1836.

[7] Este Manuel Ávares, que possivelmente será o que aparece em 1585 nas obras da Misericórdia do Porto,  subcontratará, em 28 de Julho de 1597, a empreitda de construção “das pontes” de Vila Pouca de Aguiar, que tinham sido adjudicadas a Pedro Afonso de Amorim.

[8] José Viriato Capela e Rogério Borrageiro, Boticas nas Memórias Paroquiais de 1758, Edição da Câmara Municipal de Boticas, Boticas, 2001, p 149.

[9] Em tempos recentes foi substituída por outra em betão, que lhe fica paralela.

[10] No auto que dá início à execução da primeira provisão relativa à matrícula dos homens do mar, indica-se como ponto de partida para a elaboração da listagem dos marinheiros o Livro das Sisas do ano em curso. Não encontrámos, todavia, o Livro das Sisas de 1600, nem o de 1599, mas apenas o Livro das Sisas de 1598. Admitimos que tenha sido este o livro usado pelos encarregados da matrícula, considerando que não podia ser o de 1600, pois as cobranças apenas se faziam depois de concluído o ano, e é bem natural que também o de 1599 não se encontrasse encerrado nem disponível.