Fundação de Viana - o foral de D. Afonso III


Nesta página vamos apresentar o estudo que já publicámos na revista Cadernos
Vianenses  e saiu também numa edição autónoma,  lançada pelo Centro de 
Estudos Regionais, em 1994.


1. O momento  histórico

Em 18 de Junho de 1258 era outorgado o foral de Viana por D. Afonso III, aquele rei que poucos anos depois, a 1 de Agosto de 1265, se lhe referia, dizendo «sabede que amo muito essa villa de Viana assi como hüa das villas de meu reino que muito amo». Esta declaração de amor pela jovem povoação da foz do Lima não significa, porém, que Viana nascesse de um devaneio lírico do monarca, embevecido com os inegáveis encantos da terra e das suas gentes, os sortilégios do rio Lima ou as delícias e mistérios do oceano, em que ainda hoje os vianeses de boa cepa se revêem com orgulho.


 Foral de Viana, no Livro I da Chancelaria de D. Afonso III, fl. 32-32 v.º


Escritores de outros tempos, levados mais pela fantasia que pelo rigor histórico, diziam - em textos seguidos por alguns autores mais recentes - que o monarca português, ao dirigir-se em peregrinação a Santiago ficara deslumbrado com a beleza, a cor e a luz da paisagem, com a localização do pequeno povoado de Átrio, de onde se poderia vigiar a terra e o mar, e as possibilidades do porto natural constituído pela foz do Lima, porta aberta para um mundo ainda em grande parte desconhecido, e em consequência resolveu conceder-lhe o foral que lhe dava o título de vila, além de outras regalias e privilégios. Não podemos negar toda a verdade destas palavras, embora seja difícil admitir que por esses anos o rei de Portugal deambulasse por Compostela, não só porque, não obstante o seu irregular casamento com a filha (ilegítima) de Afonso X (o Sábio), as suas relações com o monarca castelhano ainda não eram boas, mas também porque na apertada cronologia da sua actividade, registada nos próprios livros da Chancelaria, é difícil encontrar um lapso de tempo suficiente para a peregrinação, a que, por outro lado não se conhece qualquer referência nas sempre a essas efemérides atentas crónicas compostelanas. É, no entanto, muito provável que, nas suas deambulações pelo norte, designadamente, quando temporariamente a chancelaria se estabeleceu em Guimarães ou, por excepção, foi até Ponte de Lima, D. Afonso III se tenha deslocado a Viana[1].

As razões que terão motivado a concessão do foral a Viana devem encontrar-se através do estudo da política seguida por D. Afonso III, o rei de Portugal que outorgou o maior número de forais a diversos municípios.
D. Afonso III, segundo filho de D. Afonso II e irmão, por conseguinte, de D. Sancho II, partiu para França em 1227, onde foi muito bem recebido pela sua tia materna, a rainha D. Branca de Castela. Encontrou aí um país muito mais desenvolvido que Portugal, absorvido este inicialmente pelos esforços da guerra contra a moirama e depois desgastado pelas desordens e violências internas. Na França de então erguiam-se para os céus as prodigiosas flechas das catedrais góticas, tais como, bem próxima, a de Notre-Dame de Paris, à sombra da qual desabrochava a grande Universidade, que se manteria como o grande luminar do saber no decurso dos séculos. Este jovem, fadado para grandes destinos, aproveitou bem a sua estadia na brilhante corte de Luís IX, adquirindo, a par de uma rica bagagem cultural, uma útil experiência dos negócios públicos, e ainda um tirocínio militar de alto merecimento. Pelo casamento com a viúva de Filipe-o-Crespo, D. Matilde, condessa de Bolonha, obteve a dignidade de conde soberano, vassalo e feudatário de Luís IX, acompanhando-o, nessa categoria, na guerra contra Henrique III de Inglaterra, e distinguindo-se na batalha de Saintes (1243). O caos político que submergiu o reino no tempo de D. Sancho II deu lugar à intervenção directa da Santa Sé, tendo o sumo pontífice Inocêncio IV, após o encerramento do concílio de Leão (1245), expedido uma bula a ordenar aos portugueses a obediência ao infante, que, nos começos do ano seguinte, entrava em Lisboa, intitulando-se visitador, curador e defensor do reino. No termo de uma luta encarniçada, D. Sancho II, derrotado, retirou-se para Toledo, onde viria a falecer nos primeiros dias de 1248. D. Afonso III foi então aclamado rei, ocupando-se, nos anos seguintes, na conquista definitiva do Algarve, que constitui uma dos principais fases do seu programa de estabelecimento definitivo das fronteiras de Portugal, assim como na reorganização administrativa do reino. Neste contexto se enquadram as inquirições realizadas em 1258, bem como a outorga de numerosos forais e cartas de foro, a publicação de legislação adequada e a convocação de cortes gerais, tendo os municípios participado pela primeira vez nas de Leiria, em 1254.
Desde 1252 (e, já antes de assumir a coroa, desde 1250), o rei de Castela D. Afonso X encontra-se em guerra com D. Afonso III, por causa do domínio do Algarve, do mesmo modo que Jaime I de Aragão, por causa dos territórios de Múrcia e de Valência. A evolução desta guerra, que, segundo observam os historiadores, se mantém bastante obscura, conhece alguns momentos de trégua, mas não se conclui definitivamente, mesmo depois dos, aliás ilegítimos, desposórios, realizados em Chaves, em 1253, entre D. Afonso III e a infanta D. Beatriz, filha, também ilegítima, do rei castelhano. Só em 1263 se iniciam as tréguas definitivas, culminando no tratado de paz assinado em Badajoz, em 1267.
Neste período regista-se a outorga de vários forais no Alto Minho: os de Melgaço e Viana, datados de 1258, assim como, pela mesma data, e mesmo antes, da  segunda versão do foral de Valença e da primeira versão do foral de Monção[2].
Esses forais outorgados na orla do Alto Minho têm por cenário de fundo esta guerra de fronteiras entre Portugal e a Espanha. Tal ambiente explica que o monarca tomasse por modelo os forais da região da Guarda, nascidos da necessidade de basear na criação de municípios a organização do território da Beira Alta e a sua defesa contra as tentativas de integração no reino vizinho, criando nos moradores um entranhado sentido de autonomia e incitando-os à defesa dos seus próprios interesses, identificando-os com os interesses do reino português. Um dos aspectos característicos dos forais das áreas de fronteira, em comparação com outras,  é a leveza  da carga fiscal imposta aos moradores, medida que têm por objectivo promover a fixação de pessoas: em Viana não se estabelece qualquer imposto individual, mas apenas um censo anual a pagar ao cofre régio, o que implica o direito de o concelho guardar para si as receitas provenientes das coimas e portagens e quaisquer outras rendas, que anteriormente pertencessem ao rei, para além da décima e da portagem das mercadorias entradas pelo mar e do navaon ou navão (imposto sobre o pescado), reservados ao monarca e que só incidiam sobre os não moradores em Viana. O município, para aumentar as receitas próprias, via-se assim estimulado a fomentar o desenvolvimento económico e a diligenciar por uma boa administração da justiça, uma vez que as coimas aplicadas aos moradores revertiam para o cofre do concelho. O facto de os hospedeiros fruírem uma boa percentagem das portagens cobradas aos mercadores vindos de fora e instalados nas suas casas estimulava-os a serem cuidadosos na cobrança. Por outro lado, a redução das coimas mais graves (um sétimo, no caso de homicídio), o asilo concedido a todos os que andassem foragidos depois de cometer algum crime, a realização do medianido dentro do termo municipal, o alívio de certas obrigações, como a de dar pousada, a concessão aos cavaleiros e aos peões de um estatuto jurídico correspondente ao do grupo social imediatamente superior a eles no resto do país, consideram-se medidas encaminhadas para incrementar a afluência de moradores e, por conseguinte, defensores do território. Este é amplo, abrangendo a sede do município, normalmente a vila, com a sua área própria, que, no caso de Viana, abrange, já em 1258, ou, no que à segunda versão diz respeito, pelo menos desde 1262, parte das actuais freguesias de Areosa (desde o rio então chamado Vitorino) e de Meadela, e um extenso termo municipal, que, em relação a Viana, engloba a quase totalidade da área do actual concelho, na margem direita do rio Lima. Essa vastidão do alfoz municipal originou a existência de um grupo de magistrados, os alcaldes, que colaboravam com o juiz (assim se designava então o magistrado que presidia ao conselho dos alcaldes, e, em conjunto com estes, ao governo do município), na promoção dos interesses da comunidade [3].
Em síntese, podemos afirmar que as cartas de foral outorgadas a estes municípios, concedendo-lhes autonomia na condução dos próprios destinos e estabelecendo normas fiscais, judiciais e penais específicas, proporcionavam a  criação de centros dinamizadores da actividade económica, e, ao estender a sua jurisdição a um amplo território, por cuja administração se tornavam os únicos responsáveis directos, responsabilizavam-nos pela sua defesa, tanto mais importante, quanto se encontravam em áreas de fronteira ou muito próximos.
A relação, no caso concreto, do foral de Viana, assim como dos que então foram outorgados nas margens do rio Minho, com as preocupações de defender a fronteira é testemunhada pelas diligências com a fortificação das respectivas sedes, que foi o primeiro grande encargo que estes municípios tiveram de assumir. As muralhas de Melgaço, pelo menos em parte, estavam concluídas em 1263, como garante uma inscrição da época, lavrada junto a uma porta aberta nesses muros:

IN  TEMPORE   DOMINI  REGIS  ALFONSI
PORTUGALIE  MAGISTER  FERNANDUS  CON
POSUIT  MURUM  ISTUM  ERA  M C C C I
MARTINUS   GONÇALVIS    CASTELLARIUS
DOMINI REGIS CIRCUNDAVIT HANC VILLAM
IN HAC PARTE

(No tempo de D. Afonso Rei de Portugal, o mestre Fernando construiu este muro na era de 1301 [isto é, no ano de 1263]. Martinho Gonçalves, casteleiro do Senhor Rei, cercou a vila por esta parte).

Certamente à construção dos muros de Viana se refere uma passagem da carta dirigida pelo Rei, em 1 de Agosto de 1265, ao seu povoador, aos alcaldes, e ao concelho de Viana, e que no início citámos, a propósito da declaração de amor feita pelo monarca a esta vila: «mando-vos que poboredes bem essa vila e façades ahi cheguar todos os vizinhos». Esta concentração dos vizinhos ou moradores tanto poderá entender-se como uma recomendação de que os vianeses vivessem dentro do recinto da vila, o que supõe a existência das muralhas, ou como uma providência orientada a exigir a sua colaboração nas obras da vila, que seriam, por conseguinte os referidos muros. A eles alude certamente uma outra passagem da mesma carta «qu'a comesey per mim e quero le dar cyma em meu tempo».
A criação do município de Viana não foi por conseguinte um mero acto administrativo, ainda que inserido num vasto e inteligente programa de desenvolvimento e organização do reino, apoiado na multiplicação e crescente valorização do papel dos municípios, mas enquadra-se numa segura política de defesa das fronteiras da nossa pátria, revestindo-se, em consequência, de um significado nacional.
A dimensão internacional das origens de Viana encontra-se provavelmente vinculada ao próprio nome com que D. Afonso III designou o município da foz do Lima. Têm-se os estudiosos debruçado sobre as origens deste nome e de um modo geral estão de acordo em que as palavras do foral «de novo impono nomen Viana» (de novo imponho o nome de Viana) correspondem de facto a uma inovação, se bem que não seja difícil encontrar-lhe certas afinidades fonéticas com o nome de Vinha, este pre-existente. Se também Contrasta, que já há várias décadas possuía um foral, que serviria de modelo ao de Viana, só agora recebeu o nome de Valença, que nada tem de semelhante ao seu anterior apelativo, também um outro município fronteiriço recebeu o novo nome de Monção, em que só uma vontade muito generosa encontrará ressonâncias daquele que englobava anteriormente grande parte das suas terras, o couto de Mazedo.  O nome de Viana constitui uma inovação, embora, quanto à sua origem, nada se possa dizer de definitivo, se bem que não seja difícil encontrar topónimos semelhantes em França, onde o monarca viveu (Vianne, Viane, Vienne), no nordeste hispânico e noutros países da Europa.
Talvez o conflito que opunha D. Afonso III e o rei de Castela, e a aliança natural que nessas circunstâncias existia com Jaime I de Aragão, também desavindo com Afonso X, por causa da delimitação dos territórios de Múrcia e Valência tenham inspirado o Rei de Portugal na escolha dos nomes que deu ao novos municípios, porventura deixando-se arrastar, em algum caso, pelas aparentes semelhanças fonéticas.  Com efeito,  na área leste da Península Ibérica, existiam notáveis povoações e valiosas praças de armas que tinham os mesmos nomes: Valencia, Monzon, Viana. As escolha destes nomes era assim uma afirmação de unidade e de aliança de dois povos, entre os quais se interpunha um inimigo comum, e constituía uma espécie de aviso para aqueles que os hostilizavam. Que as três povoações do leste ibérico eram conhecidas em Portugal,  não se duvide.  Viana, de Navarra, emerge para a história em 1219, quando Sancho o Forte a cercou de muralhas para que servisse de praça forte contra as invasões provenientes do lado de Castela, passando a ter voto em cortes e a beneficiar de importantes privilégios e regalias; em 1274, resistiria heroicamente, durante dez meses, ao cerco de um poderoso exército de Afonso X de Castela, que retirou para Logronho sem lograr os seus intentos.  Jaime o Conquistador entrou em Valencia em 1238, conquistando-a definitivamente aos muçulmanos. O trovador Pero da Ponte, activo em meados do século, refere-se, numa cantiga, a este feito do Aragonês, jogando com as palavras:
                                      O que Valença conquereu
                                      por sempre mais valenç'aver,
                                      Valença se quer mantëer,
                                      e seempr' en Valenç[a] entendeu.
                                      E de Valença é senhor,
                                      pois el manten prez et valor
                                      e pres Valença por valer.
                                            E per valença sempr[e] obrou
                                            por aver Valença, de pran;
                                            e por valença lhi diran
                                            que ben Valença gaanhou.
                                            E o bon rei Valença ten;
                                            que, pois prez e valor manten,
                                            rei de Valença lhi diran.[4]
A Monzon refere-se João Soares de Paiva numa cantiga de escárneo, composta, segundo Carolina Michaëlis de Vasconcelos, entre 1212 e 1234:
                                                  Mais se Deus trag'o senhor de Monçon,
                                                  ben mi cuid'eu que a cunca lhis varra.[5]
Apresento esta explicação como uma hipótese, para que nem sequer reinvindico total originalidade[6], a não ser quanto à ousadia de a trazer a público. A confirmar-se, ela traduzirá uma característica da nossa idiossincracia, segundo a qual, para além das dificuldades imediatas, há que que estabelecer pontes com o que existe mais além; e testemunhará mais um aspecto das nossas origens históricas, relacionando-nos com o mundo peninsular e europeu.
A outorga do foral a Viana, feita por um monarca de formação europeia, aponta-lhe já também o rumo internacional, e, neste momento em que ganha novas dimensões a nossa inserção no velho continente, de que fomos e continuaremos a ser, no dizer de Fernando Pessoa, a face que olha o oceano («o rosto com que fita é Portugal»), é bom lembrar que o foral de 1258 constituiu o primeiro documento em que se regista a vocação europeia e marítima de Viana. Quando o foral, afastando-se dos seus modelos, estabelece, mesmo na parte final, que «os vizinhos de Viana não dêem décima ao Rei, senão das coisas que vierem das partes de França e da terra dos sarracenos», está a abrir um amplo horizonte, que abrange sobretudo, e por muitos séculos, os portos do norte da Europa, e onde se virão a perspectivar outros destinos, especialmente as ilhas do Atlântico e o Brasil, sem esquecer as paragens da Terra Nova. Na sua alvorada, a história de Viana é, por conseguinte, a história de Portugal; o município da foz do Lima não resultou somente das necessidades de ordenação territorial e organização administrativa, mas também e de um modo muito especial da necessidade de proteger a identidade nacional, como aliás aconteceu com outros municípios, na mesma época. Para além disso, e aqui de modo muito próprio e específico, na fundação do município de Viana está presente a vocação europeia e atlântica de Portugal.

2. A génese  do  foral

O paradigma remoto do foral de Viana é o que foi outorgado a Numão em 7 de Julho de 1130. A influência desta carta estender-se-á praticamente a toda a área correspondente ao actual distrito da Guarda, exceptuando Seia, talvez mesmo sem excluir a região entre o Coa e o Águeda, ao sul do distrito de Bragança, e posteriormente ao Minho e a Aguiar de Pena.
Em 1217 inicia-se a expansão deste foral no Alto Minho, seguindo directamente o foral da Guarda, com a outorga do foral de Contras­ta, cujo nome seria mudado oficialmente para o de Valença na confirmação de D. Afonso III. Com as adendas introduzidas nesta confirmação, será depois concedido, em alguns casos com pequenas alterações, à maioria dos concelhos do Alto Minho, ao de Prado (actualmente integrado no de Vila Verde) e ao de Póvoa de Lanhoso.
Alguns problemas com a datação e as consequentes interligações entre estes forais são facilmente resolvidos. O foral de Melgaço, datado de 29 de Abril de 1258, declara seguir o de Monção, que tem a data de 12 de Março de 1261, e este, por sua vez, embora diga imitar o de Valença, incluiu as adendas constantes da confirmação deste em 11 de Agosto de 1262! O de Viana, em ambas as versões, uma de 18 de Junho de 1258 e outra de 1262, adopta o modelo de Valença, a cuja versão conhecida, como se acaba de ver, qualquer uma é anterior.
Natural­mente é à primeira versão do foral de Viana que se reporta o de Prado, de 14 de Fevereiro de 1260, que, por seu lado, irá servir de modelo ao de Póvoa de Lanhoso, de 25 de Setembro de 1292.
O caso de Viana e Prado fornece-nos a explicação para os aparentes anacronismos, que acabamos de registar. É que a adopção de um modelo de carta de foro proveniente de uma região diferente exigiu alguns ajustamentos, designadamente de âmbito territorial, que justificam a existência de versões sucessivas do mesmo foral, na maior parte dos casos hoje desaparecidas, e estas versões intermédias serviram de modelo a outras que, por tal razão, nos aparecem com datas anteriores às das cartas que lhes serviram de referência.
O foral de Viana é, com efeito, conhecido em duas versões: a primeira, de 18 de Junho de 1258, serviu de modelo ao foral de Prado, e a segunda, de 1262, constitui a redacção definitiva e deve a sua existência à rectificação do termo, que entretanto o monarca promovera, após o termo das negociações com o bispo de Tui.
Não se pode afirmar que o verdadeiro foral de Viana é o de 1258 e não o de 1262, ou que é o de 1262 e não o de 1258. Os documentos são autênticos e ambas as versões são verdadeiras, correspondendo a importantes momentos iniciais na história de Viana. A primeira corresponde à fundação do município e à definição do seu estatuto; a segunda contém um ajustamento, de índole territorial e com expressão jurisdicional, e constitui a versão definitiva da carta de foro.
As diferenças entre a parte expositiva de ambas as versões são ligeiras, como se pode verificar pela transcrição anexa: na versão de 1262, o Rei exclui da doação feita aos moradores de Viana a vila de Afife, com todos os seus direitos e pertenças, a quarta parte das vilas Meã e de Baltasares, que, esclarece, deu ao Bispo e ao Cabido de Tui, em troca da igreja e da vila da Vinha (Areosa); em consequência deste escambo, o rei já pode integrar a vila da Vinha no herdamento (território directamente ligado à sede do município) de Viana.
A adenda, introduzida na versão de 1262, esclarece-nos sobre os limites da sede do município, o herdamento, pois nele se inclui a vila de Vinha (hoje Areosa], o que nos permite identificar o rio Vitorino com o ribeiro do Pego.
Ao outorgar o foral de 1258, D. Afonso III, de facto, tinha já em mente incluir no herdamento de Viana, a superfície agrária da Vinha, que então era pertença do Bispo e do Cabido de Tui. Para conseguir tal objectivo encetou negociações com o Prelado e os Capitulares, em ordem a fazer o escambo dos reguengos de Afife, Vila Meã e Baltasares, dos direitos que tinha na igreja de Afife, de casais em Caminha,   em Moledo e em Viana e ainda do reguengo de Sá (Ponte de Lima), pelas terras da Vinha. A presença na Corte do Mestre-Escola de Tui, que assina o foral com os outros confirmantes, testemunha as normais relações do monarca com a igreja tudense e indicia até a existência dos contactos e por conseguinte das negociações em curso.  A existência de um proceso negocial  é atestada por um documento de 28 de Agosto do mesmo ano: atrasaram-se, no entanto essas negociações e, por se revelarem difíceis, o Rei, não podendo doar ao concelho de Viana as terras da Vinha, decidiu doar-lhe simplesmente os bens acima referidos[7]. Não esmoreceu, porém, nos seus propósitos e assim conseguiu levar a bom termo as negociações com o Bispo e os Cónegos, que culminaram na celebração das escrituras de escambo, que, segundo a praxe do medianido, foram assinadas em Ponte de Lima [8]. O atraso do processo negocial dever-se-ia não a qualquer oposição ou má vontade do Bispo ou do Cabido de Tui, mas à necessidade de aguardar a carta da Santa Sé que autorizava o escambo ou, mais provavelmente, só ou em conjunto com a mesma razão, à oposição levantada pela família dos Velhos à realização dessa permuta, que não tinha ainda sido ultrapassada na ocasião da assinatura dos referidos contratos de escambo, como se infere da sua leitura. Desde longa data, a família dos Velhos reinvindicava direitos sobre uma vila nesta localidade, a qual apenas a título vitalício tinha sido dada em prestimónio a um dos seus antepassados pelo Bispo de Tui D. Afonso, na segunda metade do século XI [9]
Mesmo aguardando o resultado das negociações com a Sé de Tui, D. Afonso III não exarou no foral qualquer disposição ferida de ilegalidade: com efeito, em 1258, não inclui expressamente na jurisdição de Viana, nem dela exclui, a vila (e muito menos a igreja) de Vinha, uma vez que, em relação a essas como ao demais território, apenas refere genericamente que doa ao município o que aí possui de facto ou de direito: «quicquid infra istos terminos ego habeo et de iure habere debeo». Existem, aliás, dentro do termo do município outras igrejas e herdades que, segundo as Inquirições levadas a cabo em data próxima, se encontram em situação idêntica à de Vinha e nem por isso se levantaram problemas. El-Rei não tinha, com efeito, o padroado de qualquer das igrejas das paróquias do litoral a norte do Lima, assim como não o tinha das de Outeiro, Perre, Santa Marta, Serreleis, Cardielos, Murteda e S. Lourenço, isto é, da quase totalidade das paróquias abrangidas pelo termo concelhio. Mesmo após o já referido escambo, o rei não concede aos moradores de Viana o padroado de qualquer destas igrejas, não só da igreja de Vinha mas também das situadas ou a construir dentro da vila de Viana, ou da paróquia de S. Salvador, uma vez que, fazendo mercê de todos os bens e direitos que aí possuía ou a que tinha direito, exclui da doação os direitos de padroado: «salvo mihi et sucessoribus meis ius patronatus omnium ecclesiarum de vestra villa et de vestris terminis que ibi modo facte sunt et de cetero fient». O escambo com o Bispo e o Cabido de Tui não está, por conseguinte, relacionado com qualquer decisão anterior ferida de ilegalidade, porque de facto ela não foi cometida e o foral de 1258 nada contem intencionalmente incorrecto, está apenas marcado pela normal morosidade de um processo negocial, que visa a transferência das terras da Vinha para a dependência directa do município. O Rei, animado por uma ampla visão do futuro, pretende que todo o território incluído no herdamento da vila de Viana, sede do município, esteja livre, no foro civil, de qualquer outra jurisdição, para além da sua e da do município.
São desta época as primeiras referências à paróquia de S. Salvador do Átrio: as Inquirições de 1258 e uma listagem das igrejas do bispado de Tui em território português[10]. Ao contrário do que na altura das Inquirições sucede com as paróquias vizinhas, o clérigo que tem a seu cargo a cura de almas, em S. Salvador do Átrio, não é designado como prelatus mas como simples capellano (capelão). Estamos próximos da época em que se deu a transição para uma paróquia de pleno direito.
O juiz citado nas Inquirições é ainda o de Ponte de Lima, ou, rigorosamente, o da terra de S. Martinho, cuja sede então é a vila limiana,  e esse facto é incompatível com um verdadeiro exercício da autonomia, que apenas o foral viria a conceder. Os jurados das Inquirições são apenas os moradores chamados a depor perante os inquiridores depois de terem jurado dizer a verdade: «Gomecio Monaco capellano, Sthephanus Petri judex, Roy Martini, Plagius Johannis [...] jurati dixerunt [...]» - «Gomez Monge capelão, Estevão Peres juiz, Paio Joanes [etc.], tendo jurado, disseram: [...]». Nem sequer se pode inferir dos documentos que os moradores de Átrio tinham o direito de escolher mordomo próprio, e menos ainda que estavam habilitados a substituir-se ao mordomo régio. Se mais que uma vez se diz que pagam os tributos ao mordomo (por exemplo, em Átrio «dam ao mordomo 1 maravedi ou 1 jantar»), em Figueiredo, uma das vilas da paróquia, cita-se expressamente o «Mordomo d'El Rey».


MAPA GENEALÓGICO DOS FORAIS DO MESMO PARADIGMA DO FORAL DE VIANA

DISTRIBUIÇÂO GEOGRÁFICA DOS FORAIS DO GRUPO A QUE PERTENCE O DE VIANA



3. A organização do município segundo o foral de Viana

O foral é o documento em que se define o estatuto jurídico, administrativo e fiscal de município.
Na fundação do município de Viana há duas componentes fundamentais: o território, com os seus habitantes, e as instituições municipais.
O território inicial do município de Viana dividia‑se em duas partes: a vila ou póvoa onde se situava a sede do município, com o seu herdamento, isto é, o território directamente afecto aos moradores dessa vila; e o termo, ou, mais exactamente, o território situado dentro do termo, linha que define a área geográfica a que se estende a jurisdição do município.
O herdamento, isto é, o território afecto aos moradores da sede do município, ia desde o rio Vitorino (que, segundo a versão definitiva do foral, de 1262, é de identificar com a Ribeira do Pego, pois nele se situa a igreja da Vinha (Areosa), até ao limite do (lugar de) Ameal com (o resto da actual freguesia de) Meadela.
O termo do município abrangia praticamente todas as freguesias da metade norte do actual concelho de Viana, dele excluída, em 1262, a freguesia de Afife, trocada com o Bispo e o Cabido de Tui, para que estes prescindissem dos direitos que tinham na freguesia e paróquia de Vinha, que o Rei, com excepção do direito de padroado,  desejava transmitir ao novo município.
 A base da organização municipal é o concelho: o concelho pode entender‑se num sentido amplo: é o "concilio pregonato", isto é, o concelho apregoado ou convocado por um pregoeiro. Neste concelho tomam parte todos os homens‑bons, quer dizer, todos os vizinhos ou cidadãos que não são familiar nem profissionalmente dependentes, na práctica, todos os chefes de família, do sexo masculino (excluídas, portanto, as solteiras ou as viúvas), que trabalham por conta própria. Neste concelho se tomam as decisões mais importantes para a vida do município. De facto apenas participam nele os vizinhos ou moradores da vila onde está a sede do município.
Para ser vizinho e participar, por conseguinte, na vida pública local e beneficiar do correspondente foro ou estatuto, basta residir no município há um ano.
Em sentido restrito, o concelho é constituído pelo juiz e pelos alcaldes. É este orgão que se ocupa do gestão ordinária do munícipio.
O juiz é a autoridade máxima: além das funções judiciais, que exerce, nos casos normais, ou a que preside, nas causas mais graves (no que se assemelha aos juízes dos tempos actuais),  compete‑lhe presidir à actividade administrativa do concelho (em sentido restrito), constituído, como acabamos de referir, pelo juíz e pelos alcaldes.
Os alcaldes são as autoridades máximas eleitas pelos vizinhos para governar o município sob a presidência do juiz, escolhido de entre eles.
Não sabemos qual era o seu número exacto, mas de qualquer modo nunca passariam de quatro. Não se devem confundir os alcaldes, com os alcaides, autoridades cuja área de actuação se restringia ao foro militar, embora em alguns municípios, situados então na área mais a sul do país, houvesse alcaides que estavam à frente dos municípios.
Dos funcionários, o único mencionado no foral é o porteiro, a quem competia a recolha das portagens e, naturalmente, a arrecadação dos outros impostos e receitas.
Se a base da organização municipal é o concelho, a condição do seu funcionamento, e aliás a alma de toda a organização municipal, é a autonomia de que gozam os municípios em relação a outros poderes, designadamente em relação aos poderes senhoriais, laicos ou eclesiásticos, e mesmo em relação ao poder central.
Mesmo que um morador de Viana, optando pelo estatuto da «recomendatio» vulgar na Idade Média, se colocasse sob a dependência de qualquer senhor, para que lhe concedesse um benefício, o domínio deste nunca se estenderia às pessoas ou bens situados no termo do município, pois o foral estabelece que os seus bens, a sua mulher e os seus filhos continuarão livres, apenas sujeitos ao foro de Viana.

A participação dos vizinhos na governação local não implica, todavia, a igualdade social de todos os habitantes. Com efeito, o foral prevê a existência de cavaleiros e peões, de «senhores de solar», proprietários, e de dependentes seus, os «solarengos».
O cavaleiro (cavaleiro vilão) é o cidadão que tem cavalo para com ele participar  na guerra e que, em contrapartida, goza de alguns privilégios, concretamente de isenções fiscais e de prerrogativa judicial, isto é, da equiparação do seu estatuto jurídico ao dos infanções de outras terras.
O peão é o que participa na guerra a pé e, por conseguinte, não beneficia de privilégios iguais aos dos cavaleiros, sendo‑lhe no entanto concedida uma prerrogativa judicial, que o equipara, a esse nível, aos cavaleiros‑vilãos de outras terras.
A autonomia municipal manifesta‑se na designação dos próprios responsáveis pela governação do município, que é feita por eleição local entre os vizinhos.
Exerce‑se a vários níveis, a começar pelo administrativo: são transferidos para o município todos os bens e direitos que,  na área do seu território, cabiam antes ao rei; a melhor resenha deste conjunto de bens e direitos encontra‑se nas Inquirições levadas a cabo pouco tempo antes;  o concelho recebe o produto das  taxas e coimas aplicadas na área do município - exceptuam‑se o padroado das igrejas, e ainda a décima das mercadorias importadas pela foz do Lima, a portagem das entradas e saídas pelo mesmo porto, assim como imposto sobre o pescado (o navaon), que o monarca reserva para si, impostos que, no  entanto, se aplicam apenas aos de fora da terra, porque  os vianenses estão deles isentos, com excepção da décima dos produtos importados de França e de países ou territórios sob o domínio sarraceno.
 As receitas fiscais são muito limitados: resumem‑se à cobrança das portagens sobre as mercadorias que não entram pelo porto de mar (das que entram por mar, a portagem, que se aplica apenas aos não moradores em Viana, como já referimos, é reservada ao rei), calculada por cargas conforme a tabela seguinte:

                               Carga de peão      3 mea  lhas
                                         de cavalo    1 soldo
                                         de mulo      1 soldo
                                         de boi        6 dinheiros

A taxa de portagem divide‑se em cinco parcelas: três  para o hospedeiro do portador das mercadorias, a quem compete a cobrança, e duas para o concelho. Este cobra também uma taxa pela travessia ou passagem do rio, de uma para a outra margem (barcagem).
De três em três anos (e, ao contrário de outros  forais, não se restringe a obrigação aos cavaleiros), aqueles que estão em condições de participar no fossado pagam cinco soldos, se de facto não comparecerem (ou não forem  necessários). Esta obrigação, para além do aspecto fiscal, corresponde ao encargo que o município tem de velar pela sua própria defesa.
Os moradores do termo de Viana ficam isentos do pagamento do núncio (o mesmo que lutuosa, isto é, o foro ou imposto que se pagava após a morte de alguém), e da manaria (ou maninhádego, que consistia na entrega ao fisco de uma parte considerável ou mesmo da totalidade dos bens daquele que morresse sem filhos).
A existência de um mercado ou feira, já suposta no  foral, mas efectivamente criada apenas no reinado de D. Dinis, contribui para o abastecimento da povoação e escoamento dos produtos do concelho e, ao mesmo tempo, pela cobrança das «portagens» referidas, para o aumento das receitas do concelho.
A estas receitas devem ajuntar‑se ainda os diversos foros e  rendas que antes cabiam ao rei, cuja descrição se contém nas Inquirições, realizadas nos meses anteriores à outorga do foral, em 1258.  Em vez de todas essas e de outras receitas, fica o município obrigado a pagar‑lho o censo anual de mil e cem morabitinos, a liquidar em três prestações, com o intervalo de quatro meses, concretamente a uma semana do fim dos meses de Junho (pelo S. João), de Outubro e de Fevereiro.  Com o que resta, somado ao produto das coimas, deve ordinariamente o concelho fazer face a todas as despesas públicas.

DELITOS E COIMAS

DELITOS        
COIMAS      
DESTINATÁRIO
Violação da autonomia por desrespeito do direito de asilo,
500 soldos
ao senhor de Viana
Homícidio
300 soldos
1/7 ao palácio
Rouso
300 soldos
1/2 ao palácio
1/2 às suas gentes
Rapto
300 soldos
1/2 ao palácio
1/1 aos pais
Estranho prender homem de Viana
300 soldos
(ao concelho?)
Violação de domicílio
300 soldos
1/2 ao palácio
1/2 ao dono
Abandonar o marido *
300 soldos
1/2 ao palácio
1/2 ao marido
Penhora indevida
60 soldos             
 + 2 vezes a penhora
ao senhor (60 soldos)
ao penhorado (2 vezes o valor da penhora)
Ferir em público (mercado, igreja, concelho)
60 soldos
ao concelho
1/7 ao palácio
Estranho descavalgar cavaleiro de Viana
60 soldos
1/7 ao palácio
Agredir com espada
40 soldos
1/7 ao palácio
Ferir mulher alheia
30 soldos
ao marido
1/7 ao palácio
Trespassar com a lança
30 soldos
1/7 ao palácio
Agredir com lança sem trespassar
10 soldos
1/7 ao palácio
Causar chaga com os ossos expostos
10 soldos
1/7 ao palácio
Descavalgar cavaleiro de outra terra
5 soldos
(ao concelho?)
Vianês prender homem de fora
5 soldos

Abandonar a esposa *
1 dinheiro
ao juiz (concelho)
Furto
8 x valor
ao dono 4 vezes o valor da coisa roubada, outro tanto ao juiz  (i.e., ao concelho)
          *  Veja-se, a propósito destas coimas, a nota 38, no capítulo 4.

 No conjunto das receitas entram, pois, as coimas a aplicar pelos vários delitos. O produto destas coimas, de que se apresenta um apanhado geral, no quadro anexo, é distribuído em duas partes: uma destinada à vítima ou à  sua família (à sua "gente"), a outra destinada ao  concelho. Note‑se porém, que o texto de foral,  reproduzindo o modelo proveniente da Beira Alta e  iniciado com o foral de Numão, diz que se destina ao  «palácio». O «palácio» representa o poder senhorial, régio ou não (no caso de Numão). Devido à concessão de D. Afonso III, a que já se fez referência, o rei recebe apenas o  censo anual e o concelho substitui a cúria régia na cobrança das rendas, impostos e coimas. Uma vista de relance sobre o  quadro elaborado a partir das várias cláusulas do foral relativas a esta matéria, que são a maioria, ajuda a fazer uma ideia da graduação atribuída aos vários delitos e penas.
A cobrança das coimas por parte do concelho corresponde ao exercício da autonomia e ao direito de foro próprio do município.

A administração da justiça está reservada ao concelho: nenhuma entidade pública ou privada pode realizar acções que colidam com este princípio. Entre os actos que são reservados ao concelho, mencionam‑se  expressamente a efectuação de penhoras e o ressarcimento contra os que, por cometerem delitos graves, especialmente os de homicídio e violação (rouso) tinham caído na situação de inimizade. Concretamente, é  reservado ao juiz o julgamento de todo e qualquer processo contencioso (factum) ou criminal (calumpnia). Entre as maneiras de fazer justiça directa são expressamente citadas, porque decerto mais frequentes, e  proibidas: o exercício da reinvidicta contra os inimigos (por inimizade designa‑se o estado em que se cai ao cometer um delito grave, e tanto diz respeito à  vítima como aos seus familiares, especialmente em casos de rouso ou violação e de homicídio).
Como nos restantes forais derivados do modelo de Numão, o de Viana desenvolve um conjunto de normas a adoptar nos procedimentos judiciais, que, em parte se podem considerar percursoras de tempos mais recentes:

 - Nenhum indivíduo é obrigado a responder perante a justiça sem rancuroso (na linguagem actual, sem queixoso), isto é, sem que antes tenha sido apresentada contra ele uma queixa devidamente formulada; no caso de violação de uma mulher estipula‑se até um procedimento especial: a vítima deve vir a clamar em voz alta contra o agressor;
 - As causas («iudicium vel iuncta», julgamentos ou reuniões) em que os intervenientes pertençam a mais do que um município ou área de jurisdição, e para que nenhum deles seja inferiorizado, serão tratados num lugar que se situe no extremo do concelho ‑ é a norma a que então se chama do medianido;
 - A simples suspeita ou acusação sem provas é anulada com  o juramento do que dela foi alvo, acompanhado da apresentação de testemunhas abonatórias;
 - Dentro do termo do município encontram asilo, contra qualquer justiça ou perseguição vinda do exterior, aqueles que nele se refugiarem depois de terem cometido qualquer delito, até dos mais graves, incluindo o rouso e o homicídio, desde que se não façam acompanhar de mulher  alheia, de tal modo que nem o inimigo, isto é, aquele que na sua pessoa ou na de algum parente se sente lesado pelo delito cometido, pode vir no encalço do refugiado, nem aos parentes da vítima que residam no  termo do município é permitido perseguir o autor do homicídio nem sequer dar guarida a outras gentes que venham de fora com o intento de o matar ou exercer outro tipo de vingança;
 - Há dois tipos de "fiadoria" ou fiança. O primeiro consiste em apresentar um "fiel" ou fiador, que dá a garantia de que o apresentante cumprirá as obrigações a que está sujeito: pode então aguardar em paz o julgamento ou o momento de satisfazer os seus compromissos; o fiador substitui aquele a quem foi exigida a fiança, no caso de incumprimento, podendo reclamar depois os seus direitos, mas as suas obrigações  caducam ao fim de um ano ou por morte, ficando delas desobrigados os respectivos orfãos ou a viúva; o contendor é obrigado a aceitar a fiança, de tal modo que se, recusando o fiador que lhe é apresentado  com duas testemunhas, depois o matar, o próprio concelho se torna parte na acção que lhe é movida;
 - O segundo tipo de "fiadoria" pode reduzir‑se à simples "penhora"; havia diversos modos de fazer a penhora: umas vezes é o réu que, em vez de apresentar fiador, dá bens em penhora, isto é, apresenta uma caução como garantia de que cumprirá o que for determinado pelos órgãos da justiça; outras vezes é o juiz que manda fazer penhoras como meio de urgir o cumprimento, num determinado prazo, da sentença ditada pelo tribunal; finalmente, e em termos muito gerais, faz-se uma "penhora" para reter os bens de alguém ou os selar (através da colocação de «pinhos», isto é, de sinais de penhora), enquanto não repara os danos causados ou não cumpre outros deveres para com a justiça. Havia, na época, uma tendência muito forte para fazer penhoras indiscriminadamente, logo que, bem ou mal, alguém se sentisse prejudicado. Em Viana, como noutros municípios que receberam o mesmo tipo de foral, é vedado fazer penhoras em substituição do pedido de justiça que se deve fazer ao concelho. E, porque a penhora, resulta de compromissos ou obrigações pessoais, os habitantes do município não podem ser penhorados em lugar do senhor ou por meirinho estranho ao  concelho. No entanto, pactuando com os hábitos mais arraigados, o foral, em relação às penhoras levantadas fora da terra, determina que se paguem (desde que não ultrapassem o justo valor.
A justiça não tinha aparentemente mais bases que as normas do foral, a tradição e o bom senso. Em alguns municípios mais isolados, apareceram os forais extensos. Noutros fez‑se sentir cedo a influência dos estudos do direito romano e da própria legislação emanada do poder central. De qualquer modo, na área do município, era o concelho que garantia a paz e a justiça.

4.  Apêndice documental 

I
                   1258.06.18.Guimarães
                   - D. Afonso III outorga o foral de Viana [11]

B) A. N.T.T., Chancelaria de D. Afonso III, Livro I, fl.32 (1ª versão, outorgada em 1258);
C) Bens Próprios de El-Rei, Livro III, fl. 13 v.º (cópia da versão anterior, do séc. XV);
D) Chancelaria de D. Afonso III, Livro I, fl. 62 v.º (2ª versão, outorgada em 1262);
E) Bens Próprios de El-Rei, Livro III, fl. 25 (cópia da versão D, do século XV).
F) Arquivo Histórico Municipal de Viana, Pergaminho n.º 27, pasta 2.ª [pública- forma da 1ª versão, de 26 de Junho de 1437].

A pública-forma de 1437 explica a razão porque o município de Viana não possui no seu arquivo a versão original (ou talvez, com mais probabilidade, a de 1262): é que já nessa altura se achava em tal estado de conservação que se havia tornado inutilizável e por tal motivo o concelho de Viana solicitou a ElRei o treslado da cópia existente na Torre do Tombo.

Publicações:

PMH-LC, pp. 690-693 (segundo B, com anotação das variantes de D;
Luís de Figueiredo da Guerra, Archivo Viannense, Viana, 1895, p. 148-153 (segundo PMH-LC, inclusivamente com os números relativos às variantes, mas sem as notas correspondentes, e com outras chamadas alfabéticas para variantes colocadas em rodapé, sem mencionar os documentos respectivos);
José Caldas, História de um Fogo-Morto, Porto, s. d. Edição facsimilada, Viana do Castelo, 1990, pp. 779-787. Segue a transcrição dos PMH-LC.
 «Arquivo do Alto Minho» 8 (1958), p.6-19 (segundo os PMH-LC, acompanhada de uma tradução, de P. Sérgio Augusto Gonçalves Pereira, com algumas deficiências).

                   Carta de  foro [concilii] de Viana [in foce Limie]

In Christi nomine et eius gratia.
#    Quoniam labilis est hominum memoria inventum fuit scripture remedium ut facta mortalium firma fierint et ad posteros eorum testimonio servarentur,
 Hinc est quod ego Alfonsus Dei gratia Rex Portugaliae et Comes Bolon. una cum uxore mea regina domna Beatrice Illustris Regis Castelle et Legionis filia [et filio nostro infante domno Dionisio et filia nostra infantissa domna Blanca],
 volo facere populam in loco qui dicitur Atrium in foce Limie, cui popule de novo impono nomen Viana.
#    Et do et concedo vobis omnibus populatoribus de Viana presentibus et futuris pro vestro hereditamento [herdamento], videlicet a rivulo Vuyturino usque ad terminum per quem dividit villa de Meydella [Meyadela] cum Meyaldi et quantum habeo et de jure habere debeo [debeo habere] in ipsa villa de Meyadela et in suo termino, et do vobis et concedo pro vestro cauto et pro vestro termino, videlicet sicut dividit per rivum Putridum quomodo ipse rivus intrat in Limiam et inde per Limia sicut [sicut Limia] intrat in mare et inde per mare usque ad focem de Ancora et inde per rivum de Ancora [Anchora], eundo superius sicut dividit terra Sancti Martini cum Camya [Canna] et inde per ubi dividit Montaria cum Arga et inde sicut venit directe ad rivum Putridum et sicut intrat rivus Putridus in Limiam,
 quicquid infra istos terminos ego habeo et de jure habere debeo [debeo habere], do et concedo vobis omnibus populatoribus presentibus et futuris de Viana jure hereditario in perpetuum, salvo mihi et omnibus successoribus meis omni jure patronatus omnium ecclesiarum de vestra villa et de vestris terminis que ibi modo sunt facte et de cetero fient, quas ecclesias mihi retineo et omnibus sucessoribus meis [et excepta villa de Affifi cum medietate juris patronatus ecclesie de Affifi cum omnibus juribus et pertinenciis suis, et quarta parte de Vila Meyaa et quarta parte ville de Baltassares cum pertinenciis suis, quas dedi Episcopo et Capitulo Tudensis in concambium pro ecclesia de Vinea cum pertinenciis suis, quam villam de Vinea cum suis terminis do vobis populatoribus de Viana pro vestro herdamento].
 Et mando et concedo quod populatores de Viana utantur monte de Arga in pascuis et in madeyra sicut alii vicini qui morantur juxta ipsum montem.
 Et do et concedo vobis populatoribus de Viana presentibus et futuris pro foro forum de Valencia quod tale est:

 In primis concedo vobis quod non detis pro [h]omicidio nisi CCC solidos in ap[p]reciadura, et de illis CCC solidis detis inde septimam ad palatium per manum judicis
 et in aliquo preyto vel in aliqua calumpnia non intret meus meyrinus nisi judex de vestro concilio,
 et tercia pars de vestro concilio faciat fossatum et alie due partes stent in vestra villa; et de illa tercia que debuerit facere fossatum ille qui ibi non fuerit pectet pro fossadeyra V [fossadaria quinque] solidos in apreciadura; et non faciatis fossatum nisi cum domino vestro una vice in anno nisi fuerit per beneplacitum vestrum,
 et clerici et pedones non faciant fossatum,
 et non intrent ibi nuncium neque manariam [manaria] de aliquo homine de Viana,
 et qui in termino de Viana filiam alienam rapuerit contra suam voluntatem pectet ad palacium CCC solidos et exeat pro omicida [homicida],
 et si aliquis inter vos in mercato aut in ecclesia aut in concilio preconato percusserit suum vicinum pectet sexaginta solidos ad concilium, et sit inde septima de palatio, per manum judicis,
 et de quolibet furto, dominus furti recipiat suum cabum et alias partes VIIIº dividat cum judice per medium,
 et ille qui domum fecerit aut vineam aut hereditatem suam honoraverit et uno anno in illa sederit si postea in alia terra habitare voluerit, serviat ei sua hereditas ubicumque voluerit [habitare voluerit]; et si illam voluerit vendere, vendat cui voluerit per forum de vestra villa,
 et homines de Viana qui debuerint facere judicium aut juntam cum hominibus de aliis terris, habeant illud in cabo suorum terminorum.
 Do vobis pro foro quod miles de Viana stet pro infanzone de toto meo regno in judicio et in juramento et vincat ipsum cum duobus juratoribus; et pedes stet pro milite villano de totis terris meis in judicio et in juramento et vincat cum duobus juratoribus,
 et homines qui de suis terris exierint cum omicidio [homicidio] aut cum muliere rausada [rousada] vel cum alia qualibet calumpnia excepto quod non ducat mulierem alienam de benedictionibus et fecerit se vassalum de aliquo homine de Viana, sit liber et defensus per forum de Viana,
 et si homo de qualibet alia terra venerit cum inimicicia aut cum pignora postquam in termino de Viana intraverit si inimicus eius post ipsum introiret et ei pignus abstulerit aut aliquid malum ei fecerit, pectet domino qui tenuerit Vianam quingentos solidos, et duplet pignus ei cui abstulerit, et livores quos fecerit,
 et qui hominem de Viana pignoraverit et ante non pecierit eum in concilio vestro, pectet ad palatium sexaginta [LX] solidos et duplet pignoram illi cui abstulerit.
 Et homo de alia terra qui militem de Viana descavalgaverit pectet sexaginta [LX] solidos; et homo de Viana qui militem de alia terra descavalgaverit pectet quinque [V] solidos;
 et si homo de alia terra aprehenderit hominem de Viana et eum in prisone [prisionem] miserit pectet trescentos [CCC] solidos;
 et si homo de Viana aprehenderit hominem de alia terra, pectet quinque [V] solidos.
 Et si homo de Viana pro aliqua fideiussoria per medium annum non fuerit requisitus, sit liber de illa; et si mortuus fuerit, mulier et filii eius sint liberi de illa;
 et homines de Viana non solvant pignora pro domino de Viana neque pro meyrino neque [nec] sint pignorati pro suo vicino.
 Et milites de Viana neque [et] mulieres vidue non dent pausatam per forum de Viana nisi pedones per manum judicis usque ad tercium diem.
 Et homines de vestris terminis vel de aliis terris qui sederint in vestras hereditates aut in vestros solares et domini eorum non fuerint ibi veniant ad signum de judice et dent fideiussores quod respondeant ad directum quando venerint domini sui;
 et si fecerint calumpniam pectent eam dominis suis et septimam ad palacium; et non serviant ad alium hominem nisi ad dominos suos in quorum solares sederint.
 Et senara et vinee domini Regis si eas ibi habuerit habeant tale forum quale senare vestre et vinee vestre habuerint.
 Et qui vicinum suum occiderit et in domum suam fugerit qui post illum intraverit et ibi eum mactaverit pectet [CCC] trescentos solidos.
 Et qui mulierem forciaverit et ipsa voces mittendo venerit si ipse cum duodecim non potuerint se salvare pectet trescentos [CCC] solidos.
 Et qui mulierem alienam percusserit pectet ad suum maritum XXX solidos et septimam ad palatium.
 Et homo de Viana qui fideiussores dare voluerit pro intentione de qua eum inquietaverint [inquietaverit] et dederit duos homines fideiussores et ipse tercius, si ille qui eum inquietaverit noluerit recipere fideiussores et postea eum mactaverit totum concilium pectet homicidium suis parentibus;
 et palatium domini Regis et palacium episcopi habeant calumpniam et tota villa habeat unum forum.
 Et homo de Viana qui fideiussor intraverit, si contemptor eum non liberaverit, qualem fideiussorem [fideiussoriam] fecerit talem pectet. Et si habuerit illum suum intentorem, mittat illum pro se et exeat ipse de fideiussoria.
 Et de suspecta de X solidis ad minus juret cum uno vicino qualem habuerit; e de X [decem] solidis ad [et] supra juret cum duobus vicinis.
 Et homo de Viana qui se tornare voluerit ad alium dominum ut ei benefaciat, sua casa et sua hereditas et uxor sua et filii sui sint liberi et soluti per forum de Viana.
 Do etiam vobis pro foro ut non habeatis alium dominum nisi me Regem et uxorem meam et filios nostros [12].
 Et homo de Viana qui habuerit mulierem ad benediciones si eam lexaverit pectet unum denarium ad judicem  et si mulier lexaverit suum maritum quem habuerit ad benediciones, pectet trescentos [CCC] solidos, medietatem ad palatium et medietatem ad suum maritum.
 Et qui diruperit casam cum lanceis et cum scutis de la porta a dentro pectet CCC solidos, medietatem ad dominum de ipsa casa et medietatem ad palatium.
 Et qui percusserit suum vicinum cum spata, pectet XL solidos et septimam ad palatium. Et qui percusserit suum vicinum cum lancea et exierit de una parte ad aliam pectet XX solidos et septimam ad palatium; et si non exierit ad aliam partem pectet X solidos. Et plaga unde ossa exiverit [exierint], pro unoquoque osso pectet X solidos, et septimam ad palatium; et de alia plaga V solidos et septimam ad palatium.
 Et pro tota pignora sive sit de palatio sive de concilio, recipiant fideiussorem pro ad forum;
 Et concedo vobis quod non habeat defensam nec montem neque [nec] pelagum nisi de toto concilio .
 Et nullus accipiat montaticum de ganatis de Viana.
 Et homines de Viana non dent portaticum in toto meo regno;
 et mando quod capiant portaticum in Viana scilicet de carrega de peon III medalias, et de caballo I solidum, et de mulo I solidum, et de bove VI denarios;
 et de toto portatico quod venerit ad Vianam hospes ubi pausaverit accipiat terciam partem et portarius accipiat duas partes.
 Et vicinus de Viana non respondeat sine rancuroso.
 Totas istas intentiones judicent alcaldes de villa vestra [vestra villa] per suam cartam. Et alias intentiones judicent secundum arbitrium bonorum hominum.

#    Et ego supradictus Alfonsus Dei gratia Rex Portugaliae et Comes Bolone una cum uxore mea Regina domna Beatrice [et filiis nostris predictis] do et concedo vobis populatoribus de Viana ut melius ipsa villa populetur quod meus Riqus homo nunquam pauset in vestra villa nec in vestro cauto,
#    et quod pro portatico et pro calumpniis et pro omnibus meis rendis et foris et directis supradictis de ipsa villa et de suis terminis vos et omnes sucessores vestri detis mihi et omnibus sucessoribus meis quolibet anno mille et C [centum] morabitinos veteres ad tercias anni in cabo de vestro cauto; et primam terciam detis pro festo Sancti Johannis Baptiste [Babtiste] et aliam terciam detis VIIIº kalendas Novembris, et aliam terciam detis VIIIº kalendas Marcii;
#    et preter hec [hoc] retineo mihi et omnibus successoribus meis jus patronatus omnium ecclesiarum de vestra villa et de vestris terminis que ibi facte sunt et de cetero fient.
 #   Et retineo mihi et omnibus successoribus meis totam decimam de omnibus rebus que intraverint per focem Limie quod solvant eam mihi
 #   et similiter retineo mihi et successoribus [omnibus sucessoribus] meis portaginem de rebus que intraverint et exiverint [exierint] per focem Limie,
#    et piscatores qui non fuerint vicini de Viana dent mihi et successoribus [omnibus sucessoribus] meis navaon [nonam] prout dare consueverunt in ipsa marina.
 #   Et vicini de Viana non dent decimam regi nisi de rebus que venerint de partibus Francie et de terra sarracenorum.
 #   Et piscatores vicini de Viana non dent mihi decimam de piscato nec navaon [navao].
#    Et vicini de Viana non dent portaginem ibi nec in toto meo regno.
#    Et do et concedo quod concilium de Viana habeat passaginem de ipso portu de Viana de rivo Limie de una parte et de alia.
 Facta carta Vimaranis [in Vimaranis], XVIII.º die Junii, Rege mandante. Era Mª CCª LXLª VIª [Era Mª CCCª].
#    Domnus Gunsalvus [donnus Gonsalvus] Garsie alferaz Curie, Domnus Egidius Martini maiordomus Curie, domnus Martinus Alfonsi tenens Braganciam, domnus Andreas Fernandi tenens Ripam Minii, domnus Alfonsus Lupi tenens Sausam, domnus Didacus Lupi tenens Lamecum, domnus Petrus Poncii tenens Bayam, Martinus [Domnus Martinus] Egidii tenens Transserram [Trasserram et Sausam], Gunsalvus [domnus Gonsalvus] Menendi tenens Panoyas confirmat [ripam Minii conf. Nunus Petri tenens Elboram conf. Menendus Roderici tenens Mayam conf. Donnus Johannes de Avoyno test. Donnus Menendus Suerii de Merloo test. Petrus Martini Petarinus test. Lupus Roderici vice maiordomus test. Petrus Martini superjudex test. Fernandus Barreta test. Petrus Iohannis repositarius test.]
 #   Domnus Martinus Archiepiscopus Bracarensis, domnus Arias Episcopus Ulixbo- nensis, domnus Egeas Episcopus Colimbriensis, domnus Julianus Episcopus Portugalensis, domnus Rodericus Episcopus Egitaniensis, domnus Martinus Episcopus Elborensis, domnus Matheus Electus Visensis, domnus Petrus electus Lamecensis, confirmant. [Domnus Martinus Archiepiscopus Bracarensis conf., Domnus Vincentius Episcopus Portugalensis conf., Domnus Egeas Episcopus Colimbriensis conf., Domnus Matheus Episcopus Ullixbonensis conf., Domnus Martinus Episcopus Elborensis conf., Domnus Rodericus Episcopus Egitaniensis conf., Domnus Petrus Episcopus Lamecensis conf., Domnus Matheus Episcopus Visensis conf.]    
#    Domnus Stephanus Iohannis cancellarius Curie conf.
#    Testes, Domnus Johannes de Avoyno, Domnus Menendus Suerii, domnus Egeas Laurencii, Rodericus Petri superjudex, Petrus Martini Petarinus, Fernandus Fernandi Cogominus, Magister Petrus Decanus Ulixbonensis, Magister Matheus magister scolarum Ulixbonensis, Rodericus Johannis magister scolarum Tudensis, Lupus Roderici vice maiordomus, Johannes Fernandi vice cancellarius, testes.
#     Dominicus Petri notarius Curie fecit.

TRADUÇÃO

Carta de foro do concelho de Viana da foz do Lima

1    Em nome de Cristo e da sua graça.
2    Porque é instável a memória dos homens, encontrou-se o remédio da escrita, para que os actos dos mortais se tornassem firmes e chegassem ao conhecimento dos vindouros.
3    Por isso é que eu, Afonso, por graça de Deus Rei de Portugal e Conde de Bolonha, juntamente com minha esposa, Rainha D. Beatriz, filha do ilustre Rei de Castela e Leão, [e o nosso filho infante D. Dinis e a nossa filha infanta D. Branca],
4    quero fazer uma póvoa, no lugar chamado Átrio, na foz do Lima, à qual de novo imponho o nome de Viana.
5    E dou e concedo a todos vós, povoadores de Viana, presentes e futuros, para vosso herdamento, a saber: desde o rio Vitorino até ao termo que divide a vila de Meadela com Ameal e quanto tenho de facto e de direito na referida vila de Meadela e no seu termo; e dou-vos, para vosso couto e vosso termo, a saber: desde o limite constituído pelo rio Podre, até entrar no Lima, e desde aí pelo Lima até entrar no mar, e daí pelo mar até à foz do Âncora, daí pelo rio Âncora, indo mais para cima, por onde divide a terra de S. Martinho com a de Caminha, daí por onde divide Montaria com Arga, e daí a direito até ao rio Podre e à entrada deste no Lima.
6   Tudo o que dentro destes termos possuo de facto ou de direito o dou e concedo a todos vós povoadores actuais e futuros de Viana, de direito hereditário, para sempre, com excepção, para mim e para todos os meus sucessores, do direito de padroado de todas as igrejas da vossa vila e dos vossos termos, que aí estejam feitas ou venham posteriormente a fazer-se, igrejas que reservo para mim e para todos os meus sucessores [e exceptuada a vila de Afife com metade do direito de padroado da igreja de Afife com todos os seus direitos e pertenças, e a quarta parte da Vila Meã e a quarta parte da vila de Baltasares com todas as suas pertenças, as quais dei ao Bispo e ao Cabido de Tui em troca pela vila de Vinha com todas as suas pertenças, a qual vila de Vinha com seus termos vos dou, a vós, moradores de Viana, para vosso herdamento].
7    E mando e concedo que os povoadores de Viana utilizem o monte de Arga, quanto às pastagens e à madeira, como os outros vizinhos que moram junto desse monte.
8    Dou-vos e concedo por foral, a vós, povoadores de Viana presentes e futuros, o foral de Valença, que tal é:

9    Em primeiro lugar concedo-vos que não deis por homicídio senão trezentos soldos em «apreciadura», e desses trezentos soldos deis a sétima parte ao palácio por intermédio do juiz.
10   E em qualquer pleito ou delito não intervenha o meu meirinho mas sim o juiz do vosso concelho.
[13]    A terça parte do vosso concelho faça fossado e as outras duas partes permaneçam na vila; e, da terça parte que deve ir ao fossado, aquele que não for pague cinco soldos em «apreciadura»; e não façais fossado senão com o vosso senhor e uma vez por ano, a não ser por vossa livre vontade; e os clérigos e os peões não façam fossado.
[14]    E não haja aí «núncio» (lutuosa) nem maninhádego de qualquer homem de Viana.
[15]    E o que no termo de Viana raptar filha alheia contra a sua vontade pague ao palácio trezentos soldos e seja considerado homicida.
[16]    E, se alguém de entre vós no mercado, na igreja, ou em reunião convocada do concelho agredir o seu vizinho, pague sessenta soldos ao concelho, sendo a sétima parte paga ao palácio por intermédio do juiz.
[17]    E, de qualquer furto, o dono da coisa roubada receba o que lhe pertence e divida ao meio com o juiz as outras oito partes.
[18]    E aquele que fizer uma casa ou honrar a sua vinha ou herdade e aí permanecer durante um ano, se depois quiser habitar noutra terra, conserve a sua herdade, onde quer que habite; e, se a quiser vender, venda-a a quem quiser pelo foro da vossa vila.
[19]    E os homens de Viana que devam fazer julgamento ou reunião (junta) com os homens de outras terras, façam-no dentro dos limites dos seus termos.
[20]    Dou-vos por foro que o cavaleiro de Viana em juizo ou juramento tenha o mesmo estatuto do infanção em todo o meu reino e vença com dois juradores; e o peão em juizo ou juramento tenha estatuto igual ao do cavaleiro vilão de todas as minhas terras e vença com dois juradores.
[21]    E os homens que sairem das suas terras, depois de cometerem homicídio ou rouso de mulher ou qualquer outro delito, excepto se levarem consigo mulher alheia de legítimo matrimónio, e se fizerem vassalos de homem de Viana, sejam livres e protegidos pelo foro de Viana.
[22]    E, se homem de qualquer outra terra vier com inimizade ou com penhora e, depois de entrar no termo de Viana, o seu inimigo entrar após ele e lhe tirar o penhor ou fizer algum mal, pague ao senhor que tiver Viana quinhentos soldos, e pague a dobrar a penhora àquele a quem a tirou ou as feridas que tiver causado.
[23]    E quem penhorar um homem de Viana, sem antes o citar perante o concelho, pague ao palácio sessenta soldos e o dobro do penhor àquele a quem o tirou.
[24]    E o homem de outra terra que derribar do seu cavalo a um cavaleiro de Viana, pague sessenta soldos; e o homem de Viana que derribar do seu cavalo a um cavaleiro de outra terra, pague cinco soldos; e, se um homem de outra terra prender um homem de Viana e o meter na prisão, pague trezentos soldos; e, se um homem de Viana prender um homem de outra terra, pague cinco soldos.
[25]    E, se, por alguma fiança, um homem de Viana não for demandado até passar meio ano, fique livre dela; se morrer, a mulher e os filhos fiquem também livres;
[26]    e os homens de Viana não paguem penhoras pelo senhor de Viana, nem pelo meirinho, nem sejam penhorados em lugar dos seus vizinhos.
[27]    E, por foro de Viana, não dêem pousada os cavaleiros de Viana e as viúvas, mas só os peões, por intermédio de juiz, e até ao máximo de três dias.
[28]    E os homens dos vossos termos ou de outras terras que morarem nas vossas propriedades ou solares, quando os seus senhores estiverem ausentes compareçam a sinal (isto é, por convocatória) do juiz, e dêem fiadores que respondam perante a justiça, até que voltem os seus senhores; e, se contrairem algum delito, paguem a coima aos seus senhores, e a sétima parte ao palácio; e não sirvam a outro homem, senão aos senhores em cujos solares habitarem.
[29]   E a seara e as vinhas do Rei, se aí as possuir, tenham o mesmo foro que tiverem as vossas vinhas e searas.
[30]    E, se alguém matar o seu vizinho e fugir para a sua casa, aquele que entrar após ele e aí o matar pague trezentos soldos.
[31]    E quem violentar uma mulher, e ela vier a gritar, se não se puder salvar com doze (testemunhas), pague trezentos soldos.
[32]    E quem agredir mulher alheia, pague ao seu marido trinta soldos e a sétima ao palácio.
[33]    E, se um homem de Viana quiser dar fiadores por uma questão pela qual foi demandado, e apresentar dois homens como fiadores, com ele três, se aqueles que o demandaram não quiserem aceitar os fiadores e depois o matarem, todo o concelho pagará o homicídio aos seus parentes.
[34]    E o palácio do Rei e o palácio do Bispo tenham coima e toda a vila tenha um só foro.
[35]    E o homem de Viana que entrar como fiador, se o contendor o não libertar, pague tal fiança qual tiver dado. E se o tiver, apresente o seu afiançado por si e liberte-se da fiança.
[36]    E por suspeita no valor de dez soldos ou menos, jure com um vizinho; e de dez soldos para cima, jure com dois vizinhos.
[37]    E, se um homem de Viana se quiser voltar para outro senhor para que lhe conceda benefício, a sua casa, a sua herdade e os seus filhos mantêm-se livres e sem dependência, pelo foro de Viana.
[38]    Dou-vos também por foro que não tenhais outro senhor, senão a mim, Rei, a minha mulher e os nossos filhos.
[39]    E o homem de Viana que tiver mulher de matrimónio religioso («de bênçãos»), se a abandonar, pague um dinheiro ao juiz; e, se a mulher abandonar o marido que tiver de matrimónio religioso, pague trezentos soldos, metade para o palácio e metade para o marido.
[40]    E quem violar o domicílio, com lanças e escudos, de portas a dentro, pague trezentos soldos, metade para o dono da casa e metade para o palácio.
[41]    E quem agredir o seu vizinho com espada, pague quarenta soldos e um sétimo para o palácio. E, quem agredir o seu vizinho com lança que passe de um lado ao outro, pague trinta soldos e um sétimo para o palácio; se não sair de um lado ao outro, pague dez soldos. E de chaga, de onde sairem os ossos, por cada osso pague dez soldos e o sétimo ao palácio.
[42]    E por toda a penhora do palácio ou do concelho, aceitem fiador do cumprimento do direito.
[43]    E concedo-vos que não haja devesa, nem monte, nem pêgo, a não ser de todo o concelho. E ninguém cobre montádigo dos gados de Viana.
[44]    E os homens de Viana não paguem portagem em todo o meu reino; e mando que recebam portagem em Viana, a saber: de carga de peão, três mealhas; e de cavalo, um soldo; e de mulo, um soldo; e de boi, seis dinheiros; e de toda a portagem que vier a Viana, o hospedeiro receba três partes e o porteiro duas (de cinco) partes.
[45]    E o vizinho de Viana não responda sem rancuroso.
[46]   Todas estas questões julguem-nas os alcaldes da vossa vila, pela sua carta; e as outras julguem-nas segundo o arbítrio dos homens bons.
[47]   # E eu, supradito Afonso, por graça de Deus Rei de Portugal e conde de Bolonha, em conjunto com a minha esposa Rainha D. Beatriz, dou e concedo, a vós, habitantes de Viana, para que essa vila melhor se povoe, que o meu Rico-homem nunca pouse na vossa vila nem no vosso couto;
[48]   # e que, pela portagem e pelas coimas e por todas as minhas rendas e foros acima referidos, dessa vila e dos seus termos, vós e todos os vossos sucessores me deis a mim, e a todos os meus sucessores, em cada ano, mil e cem morabitinos velhos, às terças do ano, dentro do vosso couto: a primeira terça parte pela festa de S. João Baptista, a outra terça, oito dias antes das Kalendas de Novembro, e a última, oito dias antes das Kalendas de Março.
[49]   # Além disso, reservo para mim e para todos os meus sucessores o direito de padroado de todas as igrejas da vossa vila e dos vossos termos que aí estão feitas ou vierem a fazer-se.
[50]   # E reservo para mim e para todos os meus sucessores toda a décima de todas as coisas que entrarem pela foz do Lima, que me será paga;
# e, de modo semelhante, reservo para mim e para os meus sucessores a portagem das coisas que entrarem e sairem pela foz do Lima;
# os pescadores que não forem vizinhos de Viana dêem-me, e a todos os meus sucessores, o navão, como costumavam dar nessa marinha.
# E os vizinhos de Viana não dêem décima ao Rei, senão das coisas que vierem das partes de França e da terra dos sarracenos.
# E os pescadores de Viana não me dêem a décima do pescado nem o navão.
# E os vizinhos de Viana não dêem portagem aí, nem em todo o meu reino.
[51]    # E dou e concedo que o concelho de Viana receba os direitos da passagem do porto de Viana, do rio Lima, de uma margem e da outra.
[52]    Dado em Guimarães, aos 18 de Junho, por mandado do Rei. Era de 1296 ( = ano de 1258) [Era de 1300 ( = ano de 1262)].
[53]   # Dom Gonçalo Garcia alferes da Cúria, dom Egídio Martins mordomo da Cúria, dom Martinho Afonso tenens de Bragança, dom André Fernandes tenens de Riba Minho, dom Afonso Lobo tenens de Sousa, dom Diogo Lobo tenens de Lamego, dom Pedro Poncio tenens de Baião, dom Martinho Egídio tenens de Transserra [Trasserra et Sousa], dom Gonçalo Mendes tenens de Panoias confirmam [de Riba Minho conf. Nuno Peres tenens de Évora conf. Mendo Rodrigues tenens da Maia conf. Dom João de Aboim test. Dom Mendo Sueiro de Merlô test. Pedro Martins Petarino test. Lopo Rodrigues vice-mordomo test. Pedro Martins sobrejuiz test. Fernando Barreta test. Pedro Joanes reposteiro test.]
# Dom Martinho Arcebispo de Braga, dom Arias [Mateus] Bispo de Lisboa, dom Egas Bispo de Coimbra, dom Julião [Vincente] Bispo do Porto, dom Rodrigo Bispo de Idanha, dom Martinho Bispo de Évora, dom Mateus eleito [Bispo] de Viseu, dom Pedro eleito de Lamego, confirmam.
# Dom Estêvão Joanes chanceler da Cúria conf.
Testemunhas dom João de Aboim, dom Mendo Sueiro, dom Egas Lourenço, Rodrigo Peres sobrejuiz, Pedro Martins Petarino, Fernando Fernandes Cogominho, Mestre Pedro Deão de Lisboa, Mestre Mateus mestre escola de Lisboa, Rodrigo Joanes mestre escola de Tui, Lopo Rodrigues vice-mordomo, João Fernandes vice-chanceler, testemunhas.
# Domingos Peres, notário da Cúria, o fez.
II
 1437.06.26.Lisboa
 - A requerimento do concelho de Viana, favoravelmente despachado por El-Rei D. Duarte, Fernão Lopes passa uma pública forma do foral de Viana, assim como do alvará, de 13 de Maio de 1316, em que D. Dinis reduz a renda a pagar anualmente pelo município.

 A) A.H.M.V., Pergaminho nº 27, pasta 2ª.

 Dom Eduarte pella graça de Deus Rey de Portugal e do Algarve e Senhor de Çepta a quantos esta carta birem fazemos saber que o conçelho e homeens boons da nossa billa de Biana de Foz de Lima nos enviarom dizer que elles tiinham huum foral per que forom afforados e hüa doaçom e hüa enquiriçom de rendas foreyras feitas per elRey dom Afõm conde que foy de Bollonha e per elRey dom Denis seu filho as quaes som já muito velhas em tal guisa que se nom podem dellas ajudar e que nos pediam por merçee que lhe mandassemos dar nosso alvará pera Fernam Lopez scripvam da poridade do Iffante dom Fernando meu Irmaão que tem carrego de guardar as nossas scripturas do tombo que estam na torre do castello desta cidade per que as buscasse e das que achasse que lhe pertencia lhe desse o trelado em pubrica forma segundo per nos hé ordenado e nós bisto seu requerimento lho mandamos dar o qual foy feyto per Lopo Afõm scripvam da nossa Camara aos XX dias de Junho da era desta carta e assiinado por nos per o qual mandamos ao dicto Fernam Lopes que buscasse as dictas scripturas e das que achasse que pertenciam ao dicto conçelho lhe desse o trellado na forma acustumada e elle bisto nosso mandado as buscou antre as quaes foy achada em huum livro de Resistos delRei dom Afom conde que foy de Bolonha aas XXXII folhas delle hüa carta do foro de Viana que se começa em esta guisa:

 [Segue-se o treslado do foral]

E foy mais achado em huum livro de Resistos del Rey dom Denis que se começa em hüa Rubrica que diz Livro das Cartas das graças que ElRey dom Denis fez de XV dias de Maio da era de mil e IIIc XXXb e acabasse na era de LXIII anos aas CI folhas hüa carta de quitaçom do concelho de Viana da qual o teor tal he: Dom Denis pella graça de Deus Rei de Portugall e do Algarve a quantos esta carta virem faço saber como o concelho de Viana de Foz de Lima me ouvessem aa dar em cada huum ano de foro mil e çento mrs. velhos aas terças do ano Eu querendolhe fazer graça e mercee quitolhes ende çem mrs. velhos pera todo sempre. E quanto hé os mil mrs. que ficam mando que elles mos paguem aas terças dos anos assym como ante pagavam e como he conteudo no seu foro dos quaes mil mrs. devem aa começar de fazer paga por este Sam Johane Bautista primeiro que vem e desy adeante aas outras terças como sobre dicto hé. E em testemunho desto lhes dey ende esta minha carta dante em Lixboa XIII dias de Mayo ElRey o mandou Martin Fernandez a fez Era Mª CCCª Lª IIIIº anos. ElRey a vyo. As quaes cartas de foro e de quitaçom assy achadas Martim Afõm e Joham Paaez procuradores do dicto concelho pedirom ao dicto Fernam Lopez que lhe mandasse dar o trelado dellas segundo per nos hé ordenado. E ell bisto <seu> requerimento lho deu assinado per ell e seelado do seello das nossas contas desta cidade dante em Lisboa XXbI dias de Junho. ElRey o mandou per o dicto Fernam Lopez seu vassallo guardador das dictas scripturas Alvaro Vaasques affez. Era do nacimento de nosso Senhor Jhesu Christo de mill IIIIc XXXbII anos. Nom seja duvida aas Xb regas onde diz de ila nem aas XXXbII regas onde diz peitet por que eu sobre dicto Alvaro Vaasquez fize as antrelinhas por fazer verdade
                   [Assinatura: ]
                   Fernando
                                                                                                Lopez

  5. VOCABULÁRIO

alcaldes: autoridades máximas eleitas pelos vizinhos para governar o município, sob a presidência do juiz; não confundir com alcaides, autoridades cuja área de jurisdição se situava no foro militar.
apreciadura: paga (preço), isto é, valor monetário da pena aplicada a um delito.
bênçãos: matrimónio religioso, publicamente notório.
benediciones: ver bênçãos.
benefício: bens, geralmente terras, concedidos a alguém, como compensação por serviços prestados e a prestar.
boni homini ou homens bons: ver vizinhos.
beneficium: ver benefício.
calumpnia: delito (originou a palavra coima, que na linguagem actual designa a pena correspondente a qualquer infracção).
cancellarius: ver chanceler
cautum: ver couto
cavaleiro: cidadão que participava na guerra com o seu cavalo e, em contrapartida, beneficiava de certos privilégios (isenções fiscais e prerrogativas judiciais).
chanceler: funcionário responsável pelo selo (chancela) régio (ou de outra alta autoridade), e, por conseguinte, pela autenticação dos documentos.
coima: delito (na linguagem medieval); pena aplicada ao delito, em linguagem posterior.
concelho: em sentido restrito, conjunto de magistrados responsável pelo governo do município (no caso dos forais do grupo de Numão, formado pelo juiz e alcaldes); em sentido alargado (concilio pregonato ou concelho apregoado), assembleia dos vizinhos ou homens-bons, isto é de todos os cidadãos que tinham direito a participar na actividade municipal(em geral, os chefes de família do sexo masculino, que não exerciam actividades que os colocassem na dependência de outrem); na linguagem actual, concelho, que corresponderia aproximadamente ao que hoje se designa como câmara, tornou-se sinónimo de município, englobando-se na designação o próprio território que lhe pertence.
concilium: ver concelho.
confirmar: ver confirmantes.
confirmantes: pessoas (nobres, altos dignitários, prelados), cujo nome aparece na parte final dos documentos régios, e estavam presentes no acto da outorga e o rubricavam ou eles lhes eram depois dados a ler, para dos mesmos tomarem conhecimento - a confirmação torna-se uma garantia da publicidade e da eficácia do documento.
contemptor: ver contendor.
contendor: parte adversária, numa contenda ou pleito judicial.
convocado: diz-se da reunião do concelho alargado, isto é com a presença e a participação dos vizinhos, que para o efeito eram convidados por um pregoeiro (na expressão na latina diz-se concilium pregonatum).
couto: território dentro do qual não podia ser exercida uma jurisdição estranha - corresponde, neste caso ao termo do concelho.
defensam: ver devesa.
devesa: território vedado (defenso, defendido) à entrada de estranhos
extremo: limite territorial.
fiador: aquele que perante a justiça se responsabiliza, com os seus bens, pelo cumprimento das obrigações de outrem.
fiança: bens materiais que se entregavam, no caso dos móveis, ou se indicavam como penhor ou garantia do cumprimento de obrigações já definidas ou a definir pelos órgãos da justiça.
fideiussor: ver fiador.
fideiussoria: ver fiança.
foral: documento em que se define o estatuto administrativo e fiscal de uma comunidade; foi através de um foral que se criou a maior parte dos municípios; a palavra, todavia, apenas se começou a usar no século XV, em substituição da mais genérica foro. 
foro: esta palavra teve, no correr dos tempos, várias acepções que, em grande parte, ainda mantém: renda fixa ou cânone a pagar anualmente pelo domínio útil das terras, nos contratos de enfiteuse ou emprazamento; estatuto social, jurídico ou fiscal de uma determinada classe, grupo social ou actividade económica; estatuto administrativo e fiscal de uma comunidade. Neste último sentido, designa, com frequência, o documento onde esse estatuto está definido, tornando-se sinónimo de carta de foro ou, simplesmente, de foral.
fossado: actividade relacionada com a construção ou manutenção de fortificações, muralhas e fossos (de que provavelmente deriva este vocábulo).
fossatum: ver fossado.
herdamento: designa, no foral de Viana, o território que ficava directamente ligado à sede do município e incluía o espaço correspondente às paróquias de S. Salvador (posteriormente desmembrado em Santa Maria Maior e Monserrate) e de Vinha (hoje com a designação de Areosa).
hereditamento: ver herdamento.
homens-bons: ver vizinhos..
honrar: no texto do foral de Viana, deve entender-se ornar no sentido de melhorar ou introduzir beneficiações; de outro modo, genericamente, quereria dizer o mesmo que fazer beneficiar do estatuto de honra: «honra» é a propriedade, em geral extensa, que era abrangida pelas isenções fiscais e imunidades judiciais devidas ao estatuto social (de nobreza) do seu proprietário.
hospes: a expressão do foral refere-se ao que dá hospedagem (hospitaleiro) e não ao que se hospeda (hóspede), ao contrário do que seria de entender em latim clássico.
hospedeiro: o que dá hospedagem; ver hospes.
infanção: título de nobreza, superior ao de cavaleiro (nobre).
infanzone: ver infanção.
inimicicia: ver inimizade.
inimicus: ver inimigo.
inimizade ou perda de paz: é a situação resultante do cometimento de faltas graves contra alguém, designadamente das que afectavam a dignidade, como certas agressões físicas ou as ofensas que atingiam a honra do ofendido.
intenções: esta palavra traduz o vocábulo intentiones, que, no texto do foral, designa genericamente qualquer tipo de pleitos ou questões judiciais.
intentiones: ver intenções.
intentorem: contendor, isto é, aquele que apresenta uma queixa ou move uma acção contra outrem.
judex: ver juiz
judicium: juizo
juramento: além do sentido usual, pode designar também o facto de testemunhar ou depor, com o mesmo correlacionado.
juiz: autoridade máxima dentro dos municípios: além das funções judiciais, que exercia ou a que presidia, conforme os casos, competia-lhe presidir também à actividade administrativa do concelho (formado, no caso de Viana, em sentido estrito, pelo juiz e alcaldes).
juizo: julgamento, sentença.
junta: reunião, especialmente para tratamento de questões comuns ou realização de composições; no foral refere-se o julgamento e a junta com moradores de outros municípios que, nesse caso, se deviam fazer em terreno neutro ou equivalente, e, por conseguinte, nos extremos do termo municipal (noutros documentos designa-se, por isso, como medianido).
jurador: testemunha (cujo depoimento era corroborado com o juramento).
jurator: ver jurador.
juramento: prestacção de testemunho (ver jurador).
liberare: ver livrar.
livrar (livrar-se): ser ilibado de qualquer acusação ou suspeita, através da apresentação de testemunhas ou do juramento, conforme os casos.
lutuosa: tributo que era pago por ocasião da morte de alguém.
maiordomus: ver mordomo.
manaria: ver maninhádego.
maninhádego: tributo pago por ocasião da morte de alguma pessoa que não deixava herdeiros directos, o qual em muitos casos incluía a totalidade dos bens.
marinha: localidade situada junto ao mar, onde se praticam actividades com ele relacionadas.
meirinho: nome com que se designa um funcionário, quer régio, quer municipal, com atribuições que em geral equivalem às dos mordomos locais, competindo-lhe designadamente a cobrança dos impostos e de outras receitas, incluindo as provenientes das coimas, motivo porque, por vezes, erradamente se julga que lhe competiam funções de justiça.
mercado: feira local, de muito curta duração.
mercatum: ver mercado.
meyrinus: ver meirinho.
miles: ver cavaleiro (à letra: militar).
milites: ver miles (plural).
montádigo: taxa ou imposto cobrado pela pastagem de gados em determinados montados.
montaticum: ver montádigo.
mordomo: funcionário a que competia a cobrança das rendas e impostos; podia ser régio, senhorial ou municipal.
navão: taxa ou imposto cobrado cobrado sobre as actividades de pesca no mar ou equivalentes.
navaon: ver navão.
nuncius: ver núncio (lutuosa).
núncio: ver lutuosa.
pactum: ver pleito
padroado: direito de propôr o nome do pároco ou cura de uma igreja (frequentemente ligado ao direito a receber pelo menos parte das rendas dessa igreja, tendo nesse caso, em contrapartida, a obrigação de sustentar o referido clérigo).
padroeiro: aquele que tinha o direito de padroado.
palácio: expressão que, nos documentos medievais, designa o Rei, ou quem localmente o representa, para efeitos administrativos e judiciais.
palacium ou palatium: ver palácio.
passagem: travessia (neste caso, de barco, de uma para a outra margem do rio Lima, sujeita ao pagamento de uma taxa por carga e passageiro).
passaginem: ver passagem
patronatus: ver padroado.
pausatam: ver pousada.
peão: contrapondo‑se a cavaleiro, era o que participava na guerra a pé e, por conseguinte, não beneficiava de privilégios idênticos aos dos cavaleiros.
pedon: ver peão.
pego: poço de água, largo e profundo (neste tipo de forais, refere genericamente qualquer recurso hídrico de dimensão considerável).
pelagum: ver pego.
penhora: acto de penhorar, objecto ou conjunto de objectos sobre os quais ela recai.
penhorar: na Idade Média, era o acto de tomar determinados bens de outra pessoa, tratando-se de móveis, ou de os demarcar, colocando neles o sinal (pignus) ou os sinais adequados, se imóveis, para assegurar a reinvindicação dos próprios direitos ou o cumprimento, por parte de terceiros, das respectivas obrigações.
pignora: ver penhora.
pleito: demanda ou litígio em tribunal ou perante outro órgão da autoridade.
populam: ver póvoa.
portagem: tributo que se pagava pela passagem em determinados lugares.
 portaginem: ver portagem.
portarius: ver porteiro.
portaticum: ver portagem.
porteiro: funcionário que recolhia o tributo da portagem e possivelmente outras receitas.
pousada (obrigação de dar ‑): obrigação de dar hospedagem, geralmente gratuita, em sua casa, a funcionários ou a personagens nobres e a militares.
póvoa: aglomerado urbano incipiente, de reduzidas dimensões, onde já tem um papel de relevo as actividades características dos burgos (comércio, mesteres), mas a agricultura ainda é uma das actividades mais importantes.
preconato ou pregonato: o mesmo que apregoado (ver convocado).
preyto: ver pleito.
prisone: prisão.
rancuroso: queixoso (o que apresenta queixa).
rausada: ver rousada.
renda: importância fixa e, neste caso, colectiva, a pagar anualmente pelos moradores ao Rei.
repositarius: ver reposteiro.
reposteiro: funcionário a que competia a administração da casa real.
responder: dar contas à justiça, em tribunal (significado idêntico ao actual).
rico-homem: magnate, do mais elevado escalão da nobreza, a quem era confiado, com frequência, o governo de uma parcela do território, isto é, de uma terra ou tenência.
riqus‑homo: ver rico‑homem.
rousada: vítima de rouso.
rouso: violentação de uma mulher.
salvar-se: ilibar-se de uma acusação ou suspeita.
salvare: ver salvar.
seara: terra destinada ao cultivo dos cereais.
senara: ver seara.
sobrejuiz: juiz de última instância.
solar: residência de um morador do município, que, embora não fazendo parte da nobreza, goza de um estatuto acima do comum, pois tem dependentes que vivem dentro das suas propriedades.
superjudex: ver sobrejuiz.
tenens: autoridade militar que estava à frente de uma circunscrição territorial, designada como terra ou tenência.
terminus: ver termo.
termino: o mesmo que terminus.
termo: limite exterior do território municipal; outras vezes designa-se com esta expressão esse mesmo território.
vassalo: no foral de Viana, significa o mesmo que dependente - «fazer-se vassalo de um homem de Viana» é, com efeito, colocar-se na dependência de algum habitante do município.
vassalum: ver vassalo.
vicinus: ver vizinho.
vila: esta expressão tem várias acepções na Idade Média: exploração agrária, segundo a tradição romana, englobando as terras, moradias e  anexos; aglomerado urbano rural, com as correspondentes terras de cultivo (é neste sentido que no texto se referem diversas vilas, a que se contrapõe a nova póvoa; finalmente, aglomerado urbano de dimensão limitada (significado que mantém actualmente na língua portuguesa).
vilão: habitante de uma vila.
villano: ver vilão.
vizinho: morador na área do município; nos forais do grupo a que pertence o de Viana, o termo usa-se com um significado mais restrito, correspondente ao homem-bom de outros documentos (aliás, também neste foral se faz uma referência aos homens-bons): cidadãos, sem qualquer espécie de dependência familiar ou profissional, que tinham o direito de participar na vida pública do município - eram por conseguinte chefes de família, do sexo masculino (excluíam-se as solteiras e as viúvas), que não trabalhavam por conta de outrem.

António Matos Reis         

[1]  Sobre a cronologia das deslocações de D. Afonso III, cf. João José Alves Dias, Itinerário de D. Afonso III (1245-1279), em Arquivos do Centro Cultural Português, XV (1980), pp. 453-455. Em rigor, note-se, não se trata dos percursos de D. Afonso III, mas sim dos itinerários da sua chancelaria. É natural que enquanto a chancelaria permanecia, por exemplo, em Guimarães, o Rei, acompanhado de uma comitiva mais reduzida, se deslocasse a várias localidades para tomar conhecimento directo das realidades e especialmente dos aspectos ligados com a defesa e o desenvolvimento do território, como sucederia em relação ao Alto Minho e especialmente em relação a Viana.
[2]  Sobre este aspecto, leia-se o que mais à frente vai escrito, sob o título «A génese do foral de Viana».
[3]  Para o estudo da evolução do grupo de forais em que se integra o de Viana, assim como para o conhecimento da organizaçäo administrativa, social e judicial dos municípios correspondentes, pode ler-se a obra publicada pelo autor deste trabalho: António Matos Reis, Origens dos Municípios Portugueses, Lisboa, 1991, especialmente o capítulo IX, intitulado Forais do Grupo de Numão, p. 160-177. No decorrer deste artigo, trataremos do caso especial de Viana.
[4]  Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Cancioneiro  da  Ajuda, vol. I, Lisboa, 1990, p. 905.
[5]  Idem, Ibidem, vol. II, p. 566.
[6]  Devo a sugestão ao Doutor Rafael Moreira, professor da Universidade Nova de Lisboa, investigador de história da arquitectura militar portuguesa.
[7]  A.N.T.T., Chancelaria de D. Afonso III, livro I, fl. 35;  Livro III dos Bens Próprios de El-Rei, fl. 16 vº.
[8]  Original do contrato no A.N.T.T., Colecçäo Especial, Colegiada de Valença, doc.o n.o 4. Cf. Outras versões no Livro I da Chancelaria de D. Afonso III, fl. 62-62 vº e 64-64 vº; Arquivo Histórico Municipal de Viana, Pergaminho n.º 11 da 2ª pasta.
[9]  Cf.  A. de  Almeida  Fernandes,  A Estirpe Vianense dos Velhos (Origens e  Inícios),  em  «Arquivo do  Alto  Minho»   XIX  vol.  (9º da  2ª  série)  [1973],  p.  75.
[10]  A.N.T.T., Gav. 19, m. 14, doc. 7, fl. 5 vº - 7 vº. Documento sem data. Publicado por P. Avelino de Jesus da Costa, Comarca Eclesiástica de Valença do Minho, em I Colóquio Galaico-Minhoto (Actas), Ponte de Lima, 1981, p. 158-162.
[11]   A transcrição é feita a partir do original B (versão de 1258). Transcrevem-se em itálico as passagens que existem na versäo de 1258 (original B) e faltam na de 1262 (original D).
 Os parêntesis rectos [ ] encerram as passagens do original D (versão de 1262) que faltam ou são diferentes no original B (versão de 1258).
 Em relação aos originais B e D, são mínimas as variantes contidas, respectivamente, nos originais C e E, pelo que se dispensa o seu registo.             
 As cerca de 180 variantes existentes no treslado de 1437 são de natureza meramente ortográfica.
 As passagens assinaladas com o sinal # não têm correspondente no foral de Valença, pelo que não mercem aqui anotação.
 As mudanças de linha, que não se acham no original, assim como alguma pontuação, têm o objectivo de tornar o documento mais facilmente inteligível.
 Atendendo ao interesse desta matéria para um vasto público, mesmo para o que desconhece o latim medieval, acrescentamos um tradução em língua vulgar.
[12]  No foral de Valença insere-se aqui o texto seguinte: «Et homo de Valença qui fuerit exheredatus et per manum suam non pectaverit suam hereditatem, vadat illam accipere sine aliqua calumpnia. Et homo de Valença qui habuerit hereditatem in alia terra non fatiat fossatum nisi per forum de Valença».
1  Invocação: com esta ou outras fórmulas, destinadas a invocar a protecção divina, se iniciavam entäo todos os documentos.
2  Preâmbulo: consideração de ordem geral sobre o valor dos documentos escritos, que lembra a disposição inicial do Livro II, Título V, do Código Visigótico ou Forum Iudicum: Scripturae quae diem et annum evidenter expressum atque secundum legis ordinem conscriptae noscuntur, seu conditoris, vel testium fuerint signis aut subscriptionibus roboratae, omnes habeant stabilem firmitatem.
3  Subscrição inicial: parte fundamental do protocolo inicial, indica o nome do autor ou autores dos actos e o seu título ou qualidade, neste caso o Rei D. Afonso III que a si associa a esposa e depois os filhos.
4  Com este artigo inicia-se a narratio ou parte dispositiva do documento, mencionando o objectivo basilar do documento: a criação de uma póvoa no lugar de Atrio. Sobre o que se entende por póvoa, consultar o vocabulário acrescentado à parte final deste estudo.
5  O território do município é divido em duas áreas: o couto, cujo termo vai desde o Lima até ao Ancora, sendo limitado a poente pelo oceano Atlântico e a nascente por uma linha que principia na divisória entre as freguesias de Arga e Montaria, e continua no rio Podre, que separa Lanheses de Fontão; o herdamento, afecto à sede do município, vai desde o limite entre o lugar de Ameal e o resto da freguesia de Meadela, até ao rio Vitorino, incluindo definitivamente, desde 1262, a Areosa.

6  O Rei faz doação de tudo o que possui de facto ou de direito dentro do termo atrás definido, como excepção do padroado das igrejas. Sobre os bens e direitos que a Coroa Régia tinha, confiram-se as Inquirições de 1258, excluída, a partir de 1262, a parte respeitante à freguesia de Afife (com o lugar de Vila Meã) e a Baltasares (da freguesia de Santa Maria de Ancora), permutadas com a Vinha (Areosa).
7  Concessão do direito a apascentar rebanhos e gastar madeira dos montados da serra de Arga.
8  Inicia-se a parte reproduzida do foral de Valença.
9  O cálculo («apreciadura») da coima a pagar pelo crime de homicídio fixa-a em 300 soldos, a dividir em sete parcelas: seis como indemnização à família da vítima, uma como pena a entregar ao palácio (isto é ao rei, que neste caso, como nos seguintes em que se indica o mesmo destino, é substituído pelo concelho).
10  Os funcionários da justiça régia näo intervêm na área do município.
[13] A obrigação de participar no fossado obriga apenas os cavaleiros, e apenas a um terço deles em cada ano. Estão isentos os peões e os clérigos.
[14] Perante uma organização da sociedade apoiada na autonomia local e orientada para o fomento do povoamento, os tributos do núncio e do maninhádego revelam-se já arcaicos e são, por conseguinte, suprimidos.
[15] O rapto de donzelas é penalizado como um dos delitos mais graves, com coima idêntica à do homicídio.
[16] As perturbações da ordem pública, com agressões praticadas por ocasião das grandes concentrações locais (no concelho, em sentido mais amplo, no mercado ou na igreja), constituem um dos delitos mais rigorosamente punidos.
[17]Deduz-se deste articulado que, além da restituição obrigatória, a pena aplicada aos ladrões corresponde ao valor da coisa roubada multiplicado por oito: metade para o dono e metade para o juiz.
[18] Para se adquirirem os direitos inerentes aos moradores do município, basta residir nele durante um ano.
[19] Prática do medianido: julgamentos, composições ou actos similares, em que os implicados eram moradores em espaços sujeitos a jurisdições diferentes, realizavam-se nos limites do território correspondente.
[20] O estatuto judicial dos moradores do concelho é privilegiado: em julgamento ou juramento, as declarações de um cavaleiro ou de um peão prevalecem, respectivamente, sobre as dos infanções ou cavaleiros de outras terras, bastando-lhe apresentar duas testemunhas.
[21] O direito de asilo beneficia os que, depois de terem cometido qualquer delito noutra terra, se refugiam no concelho, colocando-se ao serviço de um dos seus moradores. Só não lhes é permitido levar consigo a mulher que esteja ligada a outro homem por matrimónio legítimo.
[22] Considera-se como uma violação do foro ou da autonomia do município qualquer intromissão externa com o objectivo de fazer justiça directa, e por isso corresponde-lhe a mais grave de todas as coimas.
[23] Não é permitido o exercício da justiça directa, sendo obrigatório recorrer à justiça do concelho.
[24] O foral de Viana protege especialmente os moradores em relação aos estranhos, embora não deixe de punir os delitos.
[25] Aplica-se aqui o princípio da prescrição de um ano e dia, que é válido também em várias outras circunstâncias.
[26] No foral säo respeitadas as liberdades e direitos do indivíduo, não se permitindo que sobre ele recaiam responsabilidades que pertencem a terceiros.
[27] A obrigação de dar pousada a nobres e funcionários régios era uma das mais gravosas da Idade Média: por isso o foral restringe essa obrigação aos peões, à duração de três dias e à condição de ser requisitada pelo juiz, de modo a evitar prepotências e arbitrariedades.
[28] Os dependentes são equiparados a menores perante a justiça e por isso, quando os respectivos senhores se ausentam, devem ter alguém que responda por eles. Solares é o nome com que se designam no foral as casas pertencentes a algum senhor, que nelas ocupa alguns dependentes.
[29] Como sabemos, o Rei entregou ao município todos os bens que possuía na área do município; no entanto, nesta como noutras passagens, o foral repete o articulado do modelos anteriores.
[30] Um dos princípios defendidos por este e outros forais é o da inviolabilidade do domicílio.
[31] O rouso ou violação de mulher é um dos delitos considerados mais graves. Como normalmente näo é presenciado por testemunhas, a mulher violentada deve denunciar logo o crime, aparecendo a gritar em voz alta, e o acusado, por seu lado, ilibar-se-á se apresentar doze testemunhas abonatórias.
[32] A agressão de uma mulher é considerada como uma ofensa ao seu marido.
[33] Embora a redacção não seja totalmente clara, esta disposição deve entender-se no sentido de que é ao concelho (no sentido restrito, isto é, ao juiz em conjunto com os alcaldes) que compete aceitar ou não fiadores; por isso o concelho assume a responsabilidade pelo que acontecer se os não tiver aceitado ou exigido.
[34] Os delitos relativos a actos que dependam da jurisdição episcopal ou régia serão julgados em foro próprio; para os restantes apenas há um foro, o do concelho. Praticamente apenas o foro episcopal subsiste.
[35] O fiador é obrigado a pagar pelo afiançado, se este não cumprir; mas tem o direito de reversão, para se ressarcir, se o outro possuir bens.
[36] A simples suspeita é anulada com o juramento do suspeito e uma testemunha abonatória, em matéria leve; ou com o juramento e duas testemunhas abonatórias, em casos mais graves.
[37] Os bens possuídos por um vizinho, assim como a respectiva mulher e os filhos, mantêm-se livres e apenas sujeitos ao foro do município, mesmo se o proprietário daqueles se colocar na dependência de outro poder senhorial.
[38] O município nunca será doado ou colocado sob a dependência de outro senhor além do Rei. Mais tarde, especialmente no século XV, o concelho de Viana defenderá acerrimamente esta prerrogativa.
[39] Não é correcto, a partir da tabela das coimas, e concretamente das penalidades aplicadas aos delitos de abandono do cônjuge, concluir pela diferença de tratamento em relação ao homem e à mulher, que efectivamente é apenas aparente. Com efeito, aplicam-se ao marido e à esposa duas coimas muito diferentes: ao marido que abandona a esposa parece infligir-se uma pena meramente simbólica - 1 coelho - que seria até irrisória, pelo valor e pelo género em que é fixada; por outro lado a esposa paga 300 soldos. A explicação desta diferença está no dote que o marido, na altura do casamento, dava à esposa, e que não recuperava, mesmo se ela o abandonasse. Assim, dando-se a separação, se a iniciativa dependesse do homem, dava ao juiz uma espécie de pouco valor, equivalente ao que, na linguagem de hoje, poderíamos chamar emolumentos, correspondentes ao averbamento do facto nos registos municipais; se a iniciativa dependesse da mulher, esta pagaria uma importância correspondente ao reembolso do dote que o marido lhe havia dado. Que, na realidade, esta disposiçäo poucas vezes terá sido necessária, prova-o o facto de nunca ter havido necessidade de traduzir em valores monetários a taxa a pagar ao juiz, ao contrário do que sucedeu com as outras coimas fixadas no documento. O dote era, segundo o Forum Iudicum, a garantia da publicidade e da dignidade social do matrimónio (Livro III, Título I, Cap. I).
 O código visigótico não fixava o valor do dote, limitando-se a estipular que não podia ultrapassar a décima parte dos bens do noivo (ibidem, Cap. VI), determinação que é retomada pelo Fuero Real de Afonso X (Livro III, Tít. II). Alguns forais portugueses fixam a composição do dote a dar à esposa. Em caso de separação, o Forum Iudicum determinava que «certe si maritus uxorem iniuste reliquerit, et donationem dotis amittat, quam ei contulerat, eidem mulieri proculdubio profuturam» (Livro III, Tít. VI, Cap. I). Sobre o dote, cf. Paulo Merêa, Estudos de Direito Hispânico Medieval, I, Coimbra, 1952, p. 59 ss.
[40] Veja-se o que foi dito no nº 28.
[41] As coimas são graduadas conforme a gravidade dos ferimentos produzidos.
[42] Para evitar a retenção de bens, é obrigatória a aceitação de fiadores, em vez da efectuação de penhoras.
[43] As devesas, montados e grandes massas de água são bens de uso colectivo e gratuito, por parte dos munícipes, näo podendo ser objecto de apropriação individual.
[44] O tributo de portagem é cobrado apenas aos mercadores que vierem de fora e fixado em razão dos carregamentos: carga de peão, de boi, de cavalo ou de mulo; não há taxa para peças isoladas. Os moradores de Viana não pagam portagens na sua terra nem em qualquer lugar do reino. O sistema de cobrança e a repartição da receita têm o objectivo de estimular a sua eficácia: o hospedeiro, que faz a cobrança ao forasteiro seu hóspede, guarda para si três quintos da importância cobrada.
[45] Isto é, não pode ser chamado a contas perante a justiça, sem a existência de uma queixa formulada contra ele. A exigência de uma queixa anterior tem o objectivo de evitar arbitrariedades por parte das autoridades judiciais e de acabar com a praga das denúncias anónimas.
[46] O foral passa a constituir a lei fundamental do município. Para os casos omissos, remete-se para o bom senso e a tradição ou, textualmente, para o parecer dos homens-bons.
[47] Adição em relação ao paradigma inicial: o Rei estabelece claramente que a autoridade militar e administrativa regional, por delegação régia, o rico-homem, nunca interferirá na vida do concelho.
[48] Disposição através da qual se transferem para o concelho todas as receitas e direitos reais correspondentes ao seu espaço geográfico e, em contrapartida, se fixa um tributo anual único a pagar pelo concelho. As kalendas correspondem ao dia 1 de cada mês, que entra também na contagem: a 8 dias das kalendas quer dizer o mesmo que uma semana antes.
[49] O Rei exceptua da doações feitas ao município o direito de apresentar o pároco ou os capelães das igrejas. Veja-se a palavra padroado no vocabuláriofinal.
[50] As disposições que se seguem são específicas do foral de Viana, estando relacionadas como o local de implantação da vila e a sua consequente vocação marítima: pagamento da portagem e da décima das mercadorias entradas por mar, assim como do navão, taxa sobre o pescado de água salgada. Todavia estes impostos recaem apenas sobre os estranhos, pois os habitantes de Viana estão deles isentos, com uma excepção: a décima das mercadorias importantadas de França ou de territórios sarracenos; em contrapartida beneficiam da isenção de portagem em todo o reino.
[51] Um último direito reconhecido ao município é o da barca de passagem entre as duas margens do rio Lima.
[52] Data e assinatura: o ano está indicado seguido o calendário hispânico, cujo primeiro ano corresponde ao de 38 a. C. A era hispânica vigorou oficialmente em Portugal até 1422, embora o hábito fizesse que só depois de algumas décadas fosse totalmente posta de parte. Para achar o ano correspondente no calendário cristão, subtrai-se 38 ao número da era indicada. Assim a era de MCCLXLVI (1296), da primeira versão do foral, corresponde ao ano de 1258, e a era de MCCC (1300), da segunda versão, corresponde ao ano de 1262.
[53] A lista das testemunhas divide-se em três grupos: os magnates e os bispos, que são referidos como confirmantes, o que pode corresponder à sua não presença efectiva no momento da outorga, e as testemunhas propriamente ditas. Assinam também, naturalmente, o chanceler e o notário que escreveu ou fez escrever o documento. Há várias diferenças entre a listas de confirmantes e testemunhas em 1258 e 1262.