As armas e a bandeira de Viana
Pelos anos de 1710-1715, António Machado Vilas Boas, na sua obra "Nova Fundação da Notável Vila de Viana", manuscrito inédito que consultámos na Biblioteca Municipal de Viana, assim descrevia e interpretava o significado das armas vianesas (na ortografia original):
«São armas e devisa desta nobre villa, em campo branco hũa nao de ouro à vella em mar azul e na vella do mastro grande as armas reays do Reino da maneira que se pintão. A estas armas acrescentou ElRei D. Manuel de gloriosa memoria a sua esfera que ElRei D. João o 2º lhe avia dado, dando a também por devisa aos viannezes pelo muyto que lhe meresserão nas suas argunautas e assim a trazem tambem na sua bandeyra e a tem em outro escudo no frontespicio da sua Camara. A causa que moveu aos viannezes antigos a tomar a nao por armas foy a cordeal devoção que sempre teverão ao grande Apostolo Santiago, em cujo veneravel obsequio elegerão por timbre da sua mayor gloria a nao em que do Mar do Levante veio as prayas de Portugal e lançou anchora na foz de Vianna como avemos ditto, donde comessou a pregar alli a Ley da Graça em toda a Hespanha. E para significar milhor o sentido de sua aleyção pintarão a nao com huma ancora na proa como se vê na que está na Camara desta mesma villa [...]. Ao que com muyta propriadade serve de Timbre a Esphera Celeste, que lhe deu El Rey D. Manuel para mostrar o ditoso fim de tanta ventura: que sem atender a este mysterio lhe foy dada so por geroglifico do intrepido valor com que os viannezes se ouverão nos discubrimentos das conquistas de Portugal».
[Fotografia das armas de Viana de uma antiga bandeira do Município]
Estas armas
mantiveram-se até ao presente século. No Archivo Viannense, Luiz de Figueiredo
da Guerra assim as descrevia em 1895:
«O brazão do nosso concelho, que a estampa representa, compõe-se do seguinte modo:
Em campo de prata uma nau de oiro à vela, em mar azul, e na vela grande o escudo das quinas.
A nau é de três mastros e navega para a esquerda do espectador, tendo a âncora à proa.
A coroa ducal encima o escudo redondo: por timbre os gloriosos emblemas do Rei D. Manuel, a esphera armillar com a cruz da Ordem de Christo».
Em campo de prata uma nau de oiro à vela, em mar azul, e na vela grande o escudo das quinas.
A nau é de três mastros e navega para a esquerda do espectador, tendo a âncora à proa.
A coroa ducal encima o escudo redondo: por timbre os gloriosos emblemas do Rei D. Manuel, a esphera armillar com a cruz da Ordem de Christo».
Esta descrição, em que
avulta o acréscimo da coroa ducal, não referida na descrição do século XVIII, é
ilustrada com um desenho à escala de uma página, do mesmo autor. O desenho é
ainda completado com dois golfinhos que servem de suporte ao brasão, mas não me
parecem elementos heráldicos obrigatórios.
Em 1931, o município de
Viana passava a dispor de novo símbolo heráldico, tal como sucedeu com a maior
parte dos concelhos portugueses. Ao mesmo tempo definiam-se as novas cores da
sua bandeira. O diploma, publicado no Diário da República e logo a seguir
rectificado, dizia o seguinte:
«Tendo em vista o
parecer da secção de heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses e
atendendo ao que representou a comissão administrativa da Câmara Municipal de
Viana do Castelo: manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do
Interior, que a constituição heráldica da bandeira, armas e selo daquele
município seja a seguinte:
«De vermelho com um
galeão de negro, aparelhado do mesmo e ornado de ouro, vestido de prata, tendo,
no pano redondo do mastro real as quinas antigas de Portugal e vogando num mar
ondeado de prata e de verde. Ancora de ouro. Em chefe, cosido de azul, um
castelo de ouro, aberto e iluminado de negro. Coroa mural de cinco torres.
Bandeira com um metro por lado, quarteada de amarelo e de negro. Cordões e
borlas de ouro e de negro. Fita branca com letras pretas. Lança e haste de
ouro».
.
[Armas de Viana actualmente em vigor]
Estas armas têm a
seguinte interpretação:
1. De vermelho...
Começa-se por indicar
a cor, ou, como em heráldica se diz, o esmalte adoptado para o campo do escudo.
O vermelho e a cor do
fogo que arde, ilumina e aquece, purifica e se eleva. E também a cor do sangue.
Simboliza o amor, a
força, a coragem e o heroísmo, a vida, a energia, a alegria.
2. ... com um galeão de negro aparelhado do mesmo...
O galeão ou «nau
grossa» corresponde às tradições marítimas da cidade de Viana. O esmalte negro
utiliza-se aqui para desenhar os contornos e os pormenores do motivo. Pode
simbolizar a honestidade, a cortesia, os momentos solenes, mas também o luto, a
morte e o sofrimento resultante dos naufrágios e das lutas.
3. ... ornado de ouro,...
O ouro, contrastando
com o escuro, é o esmalte mais rico e luminoso. Significa o poder e a riqueza e
tudo o que é nobre e precioso.
4. ... vestido de
prata,...
Em heráldica diz-se
que um navio é vestido de determinado esmalte, para referir a cor das suas
velas.
A prata e o metal
precioso mais vulgar, a seguir ao ouro, na escala de valores. Corresponde à
riqueza, embora não à opulência, e à dignidade. Na linguagem simbólica, corresponde
à lua, e, em consequência, também à noite, à humildade, à paz, ao silêncio, à
simplicidade, à pureza e à sabedoria.
5. ... tendo, no
pano redondo do mastro real, as quinas antigas de Portugal...
O mastro real é o
maior e o principal dos mastros de um navio; chama-se pano redondo uma grande
vela rectangular, que se arredonda ao ser insuflada pelo vento.
O núcleo mais antigo
das armas de Portugal é constituído pelas cinco quinas, que remontam às
origens, tendo sido usadas por D. Afonso Henriques. Segundo as mais usuais
interpretações, representam as cinco chagas de Cristo e estão relacionadas com
a motivação cristã da nossa reconquista, designadamente com a batalha de
Ourique. Figuram nos brasões das mais antigas cidades e vilas realengas, isto é,
directamente dependentes da coroa régia, como é o caso de Viana do Castelo.
Nas armas de Viana do
Castelo, as cinco quinas representam, por conseguinte, as raízes cristãs da
nossa cultura e a estreita ligação da história de Viana à história de Portugal.
6. ... e vogando
num mar ondeado de prata e verde.
A conjugação dos dois
esmaltes destina-se a representar as ondas do oceano.
O mar é representado
com a cor verde (sinopla, segundo as designações dos manuais de heráldica), e a
prata, cujo simbolismo já referimos, separa as ondas e corresponde aos reflexos
da luz. O verde representa a esperança e a fé, fundamentais para quem atravessa
os mares, e, por extrapolação, a própria vida.
7. Âncora de ouro.
A âncora é um adereço
necessário do galeão. A sua função é a de fixar e dar estabilidade, sobretudo
em momentos de perigo. Simboliza a firmeza e a esperança.
8. Em chefe, cosido
de azul, um castelo de ouro, aberto e iluminado de negro.
Em heráldica, diz-se
«em chefe» a colocação na parte alta do escudo, o que corresponde a uma peça
honrosa de primeira ordem. Adopta-se também para introduzir novos elementos no
caso de armas preexistentes, como aconteceu com Viana, após a sua elevação à
categoria de cidade com o nome de Viana do Castelo.
«Cosidas» estão as peças
de metal que assentam em campo de metal, ou as de cor que assentam em campo de
cor, o que apenas sucede com as «peças honrosas».
«Aberto e iluminado de
negro» diz-se quando as portas e janelas são desse esmalte, que realça o que
lhe está mais próximo.
O castelo de ouro
simboliza o heroísmo e o patriotismo dos vianeses. O azul corresponde ao ar, ao
céu, e é, heraldicamente, símbolo da pureza e da lealdade. Por tradição, se
costuma referir a máxima perfeição com a expressão «ouro sobre azul».
9. Coroa mural de
cinco torres.
As armas das povoações
portuguesas são encimadas por uma coroa em forma de círculo fortificado, de
prata, com excepção da de Lisboa, que é de ouro, por se tratar da capital do
país. As povoações de certa importância têm coroa de três torres; as vilas, de
quatro; as cidades, de cinco.
10. Bandeira com um
metro por lado, quartelada de amarelo e de negro.
O ouro, ou amarelo, e
o negro de que é constituída cada uma das quatro partes da bandeira
correspondem aos esmaltes principais do escudo.
11. Cordões e
borlas de ouro e de negro.
Fita branca com letras pretas. Lança e haste de ouro.
Nos elementos
ornamentais utilizam-se idênticos esmaltes, com excepção da fita, toda branca,
onde se escreve o nome da cidade.